Um dia destes recebi, de um amigo, a
seguinte mensagem de texto (torpedo): “É verdade que não existe Filosofia de
Vida? Mande a resposta por e-mail!”. Pergunta interessante e recorrente em
minha vida como (projeto de) Filósofo. Elaborada a resposta, compartilho-a
aqui, com os senhores, na esperança de incentivar discussões a respeito:
Em algum lugar de minha casa está um
diploma, emitido pela Universidade São Judas Tadeu, o qual confere a mim o
título de “Bacharel em Filosofia”. Apesar de minha bolsa, não foi um diploma
barato; Custou-me quatro anos de leituras, discussões, sucessos e frustrações.
Há quem diga que, a partir deste, posso me considerar um Filósofo. Discordo! A
vida acadêmica deixou evidente que, não obstante o esforço de meus amados
mestres em tornar-nos (os alunos daquela graduação) pessoas de mentes abertas,
prontos para questionar o mundo, quiçá participando ativamente de suas
mudanças, terminamos aquele curso como não mais que “comentadores filosóficos”,
os “trabalhadores filosóficos” denunciados por Nietzsche, não Filósofos. O fato
é que o “Ser Filósofo” compreende algo muito mais profundo e amplo que o
currículo de um curso universitário. Remonta à infância assistindo “Peter, e
sua caixa de brinquedos”, “O Professor” e “O Mundo de Beakman” (todos na
Fantástica TV Cultura) enquanto meus amigos especializavam-se no domínio da
bola e no cortejo às garotas; passa pelas noites insone tentando compreender
como seria possível um Universo no qual eu não existisse para seguir
compreendendo (não é isto a Morte, quando não se crê em espírito?) e chega (mas
não termina) neste cara tentando falar de Filosofia frente ao computador.
Apresentei este “panorama geral da
formação de um filósofo em particular” ciente que não é sempre assim. Muitos
caminhos levam ao “Amor à Sabedoria”. O fato é que, rico e complexo que foi o
caminho percorrido por cada um, é extremamente desagradável para todos ver todos
os seus estudos e reflexões reduzidos a algo tão banal como o conceito de “Filosofia
de Vida”. Não há festa, encontro familiar ou reunião informal no trabalho em
que eu não seja reduzido a um simples “estudante de como viver”, quiçá um
psicólogo, sendo alvejado de perguntas sobre como as pessoas devem lidar com
suas tristezas e angústias. Esperam que eu seja um especialista em “Filosofia
de Vida”; Não compreendem que os especialistas são os acadêmicos da Filosofia,
sendo o Filosofo em si, por excelência, o oposto do especialista. O Filósofo é
o “eterno incompleto”, o eterno “fazendo-se”, o eterno “perguntador”, o “crítico”,
o “destruidor de dogmas”, o “apoiador arbitrário d’outros dogmas”, etc. Como
podemos tolerar o conceito de “Filosofia de Vida” se a própria vida é pequena
demais frente às nossas (ou minhas) aspirações intelectuais? É o todo que nos
interessa! Não “Filosofia de Vida”, mas “Filosofia da Vida e da Morte”, “Filosofia
do Inanimado”, “Filosofia da Física”, “Filosofia da História”, “Filosofia das
Ciências”, “Filosofia de Deus ou das divindades”; Filosofia do Universo, enfim.
De Tudo e mais um pouco!
Existe “Filosofia de Vida”? Deve
existir, mas como nota de rodapé no imenso livro do que é possível conhecer!
Olá Marcelo, este seu depoimento demonstra que sua filosofia vai além do mero documental.
ResponderExcluirPerfeitas colocações, onde antes mesmo de Nietzche, já havia na Grécia antiga os "sofistas", cujos não passavam de mercenários e distanciavam-se a anos luz da filosofia aprimorada por Sócrates e seus discípulos.
Abraço
Anselmo
Caro Anselmo:
ExcluirAlgumas "coisas" da Filosofia são mais "causos" que verdades. E como "causos" - isto é, estórias de autoria desconhecida - vão ganhando notoriedade e status de verdades.
Um desses "causos" diz respeito aos sofistas. Essa ideia de que eles eram apenas mercenários, que se distanciavam da Filosofia verdadeira, não é de todo correta. Além disso, se eles cobravam pelos seus conhecimentos - e isso fica claro que era a realidade -, o modus operandi de seu filosofar era semelhante ao de Sócrates, com uma diferença FILOSÓFICA fundamental, a de que eles eram relativistas... como, em alguma medida, se pode apontar no Perspectivismo nietzscheano.
Eles ficaram mal falados porque Platão - um adversário dos sofistas -, com sua teoria das Ideias imutáveis e eternas, ganhou a batalha no campo da argumentação. Mas, contemporaneamente, vários estudos sérios valorizam bastante os sofistas, reconhecendo-lhes mérito filosófico.
Portanto, nada de preconceitos... só conceitos, em Filosofia! Rsss.
Abração,
Ricardo.
Como aprendi com meu amado mestre, Ernesto Giusti, deveríamos acender uma vela aos sofistas todas as noites, afinal, é graças a eles que nós, os docentes, gozamos de remuneração pelo nosso ofício! rs
ExcluirEssa foi ótima, Marcelo. Uma vela diária aos sofistas, portanto. Rsss.
ExcluirNós costumamos dizer que o filósofo "profissional" só surgiu no fim da Modernidade, lá com Kant, por exemplo. Antes disso, os filósofos tinham que "se virar nos 30", como advogados, médicos, matemáticos, padres... até astrólogos (?!?!?!). Mas, se pensarmos direitinho, os sofistas eram "filósofos profissionais" avant lettre. Rsss.
Agora, uma curiosidade meio complicada. No "Górgias", de Platão, ele não usa o termo "sofistas", mas apenas "retóricos" - que eram os equivalentes aos "advogados" da Antiguidade, que redigiam discursos para convencer os demais, tanto no âmbito legislativo quanto judiciário.
De qualquer forma, velas aos sofistas! Rsss.
Muito boa mesmo essa, Marcelo.
Abraços do amigo Ricardo.
Saudações Anselmo!
ExcluirAgradeço pelo comentário em relação à "minha" filosofia! De fato, sem reduzir o valor da produção acadêmica, tem observado diálogos muito mais agradáveis, ricos e, ao menos, divertidos, em nossos respectivos blogs (Ricardo incluso) que em grande acervo acadêmico ao qual tive acesso nos últimos anos!
Que a Força esteja com os senhores!
Caro amigo Marcelo:
ResponderExcluirRealmente, do modo como você colocou, a expressão "Filosofia de Vida" é de uma pequenez incrível. Ela é totalmente inadequada ao que se propõe a verdadeira Filosofia. Em grande medida, estaríamos sendo questionados se os filósofos são "instrutores" adequados de autoajuda ou, como você bem colocou, se são psicólogos... para não falar em espécies de "sábios" com resposta para tudo.
Certamente, isso está muito distante da Filosofia.
Entretanto, se "refinarmos" um pouco nossos instrumentos e olharmos novamente para a questão, ressignificando o conceito de "Filosofia de Vida", veremos que, sim, há um viés filosófico para a "Práxis" - e não apenas aquele da "Theoría".
Aristóteles já nos deu a lição da divisão do nosso ramo do saber em Filosofia Prática e Filosofia Teórica. O que pode ser melhor do que discutir com o senso comum dilemas éticos... e Política? Aí está a "Filosofia de Vida", segundo uma concepção filosófica... e não aquela que se aproxima da autoajuda.
Eu, sempre me colocando como metafísico - e achando que isso não é um anacronismo -, amo a Filosofia Teórica... mas acho que temos uma saída boa para valorizar ambos os caminhos filosóficos, que são os "sistemas".
Por exemplo, o Estoicismo é fantástico ao pregar que o homem, sendo parte da Physis, para agir bem (ética), tem que conhecer a Natureza (Cosmologia, portanto, que dirá respeito tanto à Física quanto à Metafísica), mas que para "conhecer" algo, terá que se dedicar à Lógica (mais do que a Lógica atual, algo que envolvia uma Epistemologia, melhor dizendo). Portanto, o sábio estoico tinha uma formação sólida tanto na parte da teoria quanto da prática, a fim de obter "tranquilidade" e "felicidade".
E se o fim de todos os atos humanos é a felicidade, que mais que uma "Filosofia de Vida" é o Estoicismo - o mesmo vale para seu quase contemporâneo Epicurismo.
Deste ponto de vista, se eu não tenho uma "Filosofia de Vida", quero ter uma. Rsss.
Grande abraço,
Ricardo.