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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Torre do Tesouro (ou “Escada para o Céu”)

Alguns de meus alunos indicavam veementemente que eu viesse a jogar este tal “Minecraft”. Eu oferecia resistência, já que estava comprometido com tarefas mais “sérias” e quando tinha tempo de jogar, optava por outros tipos de jogos ¹. Fui obrigado a dar o braço a torcer quando visitamos uma destas lojas que deixam videogames ligados e meu primogênito ficou brincando com este jogo. Pronto. Baixei o demo e deixei o menino brincar. Como ele tem cinco anos, tive que aprender alguma coisa sobre o jogo para mostrar a ele o básico.

Para nossa diversão, as construções em madeira desprezam completamente as mais elementares leis da física. Resultado: Cortamos muitas árvores e criamos uma torre (na verdade uma escada rústica em espiral) extremamente alta ². De qualquer forma, o assunto não é exatamente o jogo, mas a imagem: Uma escada até o Céu.
Duas noites atrás eu tive um sonho muito interessante. Nos sonhos a física é ainda mais livre que nos jogos, assim, a construção ali realizada foi ainda mais surreal. Tomando algumas bolachas de aveia e mel ³ partidas ao meio, construímos uma nova escada. Por esforço de vontade, o qual molda com facilidade as circunstâncias de um sonho, cada meia bolacha logo depois de partida atingia um diâmetro de quase um metro. Em seguida as postávamos como degraus, a bolacha seguinte levitava uns vinte centímetros acima da anterior e em recuo. Magicamente multiplicada, esta sequência se estendia para alturas incalculáveis. A mitologia budista 4 narra a história do surgimento de uma Torre do Tesouro; Ela media quinhentas Yojanas de altura e duzentas e cinqüenta Yojanas de largura 5. Talvez tenhamos criado nossa própria Torre do Tesouro. Edificada a Torre, decidimos seguir até o seu topo. Uma mochila para cada um contendo blusa e cobertor (a subida poderia demorar muitos dias e todas as noites seriam ao relento). A ração de viagem era um pacote já aberto de biscoitos de aveia e mel (1 terço havia sido consumido na construção da escada). Começamos a subir; meu pequeno à frente, seguindo destemidamente com seu bonezinho, embora não tivesse plena consciência do motivo da jornada. Eu ia logo atrás, possuído por uma das maiores dúvidas existenciais da minha vida:
Eu não subia aquela Torre sem paredes em busca de tesouros; não desejava os ovos de ouro de uma gansa mágica; também não busca um profundo encontro com alguma divindade; buscava aquilo que se busca ao ir em qualquer lugar alto; queria ver mais longe; removendo as figuras, desejava conhecimento, iluminação, ciência em seu mais profundo significado. Esta era minha busca; o motivo para a edificação daquela Torre de biscoitos de aveia e mel, o motivo da construção deste texto e de tantos outros; Mas esta não era a busca do meu filho. Em sua inocência infantil – abençoada inocência - trocaria aquela jornada e todos os possíveis desdobramentos por uma única mordida num daqueles degraus. Revelar a uma criança conhecimentos tão profundos que nem mesmo os adultos possuem não seria um dos maiores pecados que eu poderia cometer contra a inocência do meu filho? Quantas vezes mais grave que negar a existência do Papai Noel ou das fadas isto poderia ser? Será que ele poderia me perdoar por isto?
Por outro lado, decidir deixá-lo para trás, seguindo a jornada sozinho, não seria também uma das maiores demonstrações de egoísmo e ausência de amor paternal que eu poderia demonstrar? E isto, ele viria a perdoar?
Corroíam-me estas dúvidas enquanto via aquela pequena figura, com sua mochilinha e seu boné subir os primeiros degraus rumo ao desconhecido. Acordei sem ter concluído a discussão interna; não subi ao céu; não desvendei os mistérios da existência, muito menos os conflitos da paternidade. Enquanto derramo estas letras no computador vejo minha senhora e meu primogênito sentados no chão da sala. Ela criou jogos com letras para colaborar em sua alfabetização. Não tenho conclusão para este texto. Vamos todos juntos seguir caminho em nossas próprias Torres. Hoje meu pequeno brinca enquanto aprende a reconhecer as letras. Em um futuro próximo terá aprendido a ler a escrita humana. Em um futuro não tão próximo aprenderá a ler o mundo, e isto é Filosofia. Naquele dia talvez ele leia esta carta que guardo hoje, 14 de agosto de 2013. Talvez lá ele tenha algo a dizer sobre nossa escalada. Quem sabe venhamos a discutir os segredos da existência tomando café e mordiscando biscoitos de aveia e mel. Talvez apenas joguemos online versões ampliadas do Minecraft. Eu não sei sobre o futuro; Talvez tudo isto seja aquele mesmo sonho e seguimos nosso passeio pelos degraus rumo à Sabedoria.

Notas:
¹ Exemplos? “LOTRO”, “The Battle for Middle-Earth 2”, “Age of Empires 2”, etc.
² Vai ficar mais alta se eu tiver tempo de voltar ao jogo. Será que consegui salvar?
³ Pois é, Nesfit mesmo.
411º capítulo do Sutra de Lótus.

5 1 yojana =16 km (A medida varia de acordo com a fonte)

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