A reflexão a seguir não
deriva da leitura dos mais recentes trabalhos acadêmicos, tampouco
se origina de qualquer revista sobre psicologia, psicanálise,
“psicosucrilhos” e afins. Baseia-se exclusivamente em minhas
opiniões sobre o tema e, por isto mesmo, deve ser lida como um
simples compartilhar de ideias para o início de um diálogo. Esta
noite, enquanto aguardava o ônibus vencer o trânsito da 23 de Maio
para alcançar a estação Anhangabaú do Metrô – trânsito que
complicava o avanço até mesmo no corredor exclusivo, vale dizer –
observei a frustração das dezenas de motoristas pelos quais passei,
cada qual perdido naquela multidão de veículos, quase sempre
solitário em seu próprio carro, e me perguntava o que levava alguém
a preferir uma tortura como aquela à viagem de ônibus e metrô?
É elementar que a última
coisa que se pode esperar dos transportes públicos em São Paulo é
conforto, não obstante, por mais apertado que se esteja ao dividir
um único metro quadrado do vagão do metrô com outras sete pessoas,
ainda há a satisfação de saber que você está andando. A ideia de
passar horas preso no trânsito só pelo “conforto” de estar
sentado no estofamento macio de um carro me incomoda demais.
Ocorreu-me, então, que talvez o motivo pela decisão de continuar
com o sofrimento do trânsito não seja exatamente pelo “conforto”,
talvez o objetivo maior seja a Reputação.
Neste momento faz-se
necessária uma pausa para discutir o termo: É elementar que não
estou reduzindo o padrão de comportamento de toda uma massa de
pessoas à futilidade do “preciso mostrar que tenho carro!”. O
final é este, mas o percurso é muito mais sutil. Não creio que o
sujeito que está ali sofrendo na terrível experiência de alternar
entre o ponto-morto, 1ª marcha, 2ª marcha e novamente ponto-morto,
esteja, enquanto isto, pensando “mas pelo menos mostrei meu
carro!”. Da mesma forma não creio que pela manhã, no momento em
que decidia pelo uso do veículo, raciocínios análogos o tenham
inclinado à decisão pelo veículo. Ainda assim, parece-me existir
um “Quê” deste tipo de inferência lá nos mais internos
mecanismos da psique destes cidadãos. Como exemplo, pense em uma
pessoa muito encrenqueira, destas que convertem qualquer mínimo
desentendimento em pancadaria. Naturalmente trata-se de uma pessoa
extremamente inclinada à violência, sabe-se lá por quais motivos.
Um forte motivo, porém, ainda que este sujeito jamais admita e até
mesmo sem se dar conta é a Reputação
¹.
Algo que pode
ser
interpretado como hostil lhe foi dito ou feito à vista de terceiros.
O assunto deixa de ser uma simples ofensa contra si, que poderia ser
revista, rediscutida ou simplesmente relevada, pois fica pendente
ainda a questão da opinião daqueles que assistiram ao evento. “O
que pensarão de você?”, “É um covarde?”, “Não vai
reagir?”. Repito, este tipo de questionamento não precisa
acontecer de forma consciente para mostrar o imenso poder que tem nas
fundações do comportamento deste indivíduo. Forças poderosas
disputam o poder para impulsioná-lo nesta ou naquela direção e
padrões de pensamento como estes, ainda que imperceptíveis,
desempatam a questão com facilidade.
Estabelecida a
compreensão que tenho do termo Reputação
quando o aplico aqui, voltemos ao Trânsito. Pensem naquele indivíduo
como um imenso sistema planetário. A reputação é um dentre os
diversos astros que contornam a estrela que ele chama “Eu”. A
estrela não é fixa; ela oscila conforme é atraída mais ou menos
pela soma ou divisão das forças gravitacionais destes astros, ao
mesmo tempo em que ela mesma exerce força gravitacional sobre todos,
mantendo o conjunto unido. O conjunto todo se inclina neste ou
naquela sentido enquanto estas diversas forças formam os mais
complexos cenários de equilíbrio gravitacional. A Reputação
², por sua vez, é um planeta vampiro, com o poder de atrair corpos
menores – pensamentos como “o que vão pensar de mim?” -
somando sua massa (consequentemente sua força gravitacional) à dele
próprio. Isto desequilibra todo o sistema, inclinando-o em direção
a este astro em particular, determinando o comportamento do sujeito.
“Eu tenho carro, o que pensarão ao me ver chegando de ônibus?”,
“Não quero que pensem que sou um pedestre qualquer!”, “Dei
duro por esta conquista e quero que todos vejam o fruto do meu
esforço!”. Não são pensamentos maléficos, não estou aqui para
falar de pecado; Repito, talvez nem sejam pensamentos conscientes,
ainda assim, em algum canto escuro, creio que estejam lá,
determinando o comportamento de muita gente, empacado o trânsito da
23 e de diversas outras vias. O estado de espírito de um
determinando o ambiente de todos.
Notas:
² Ou seria melhor dizer
“a preocupação que se pode ter com relação à opinião alheia”?
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