As condições financeiras da minha infância não me possibilitaram
conhecer esta avançadíssima tecnologia chamada box (de banheiro).
Usávamos aquelas cortinas plásticas vendidas nos mercados. Ainda
assim, já naquela época tive algumas reflexões semelhantes à que
tecerei abaixo. Publico-a assim tardiamente em função de só agora,
observando o box, tê-la rememorado. (Daí também o título do
texto).
A água, em função de um fenômeno chamado tensão superficial,
pode apresentar comportamentos bem peculiares. Um exemplo são as
gotas, aglomerações de determinado volume de água o qual, fechado
em si mesmo, manifesta a tensão superficial como um verdadeiro
casulo (qualquer um que assista desenhos animados ou tenho brincado
com formigas no quintal sabe do que estou falando). Outra
peculiaridade é a aderência que, penso, deriva do mesmo fenômeno.
Gotas d'água em superfícies planas fixam-se a estas, desafiando até
mesmo a gravidade. Não sei se é a tensão superficial que faz água
grudar em água ou se no "nível existencial" da gota a
gravidade da superfície supera a gravidade da Terra assim como em
nosso nível a gravidade da Terra supera a do Sol.
O fato é que este universo de peculiaridades e "níveis
existenciais" nos proporciona experiências interessantíssimas.
No box, a "vida da gota" possibilita uma boa analogia à
nossa vida. Pensemos no box como o tempo (como bergsoniano que sou,
prefiro substituir "tempo" por "duração"). O
momento em que a gota atinge o alto ou meio do box é o nascimento. A
base do box, a morte. Assim como no mundo há unidades materiais
inanimadas - os objetivos - e outras não só animadas, mas dotadas
de imprevisibilidade capaz de emancipa-las da simples causalidade -
os seres vivos -, no box há gotas imóveis e móveis. É interessante observar que assim como nós, as gotas móveis emprestam
das imóveis a matéria necessária para manter o movimento. Assim
como nós, enquanto seguem seu caminho deixam um rastro feito de
muito mais que excrementos. No caminho gotas móveis não encontram
apenas gotas imóveis, podem unir-se a outras igualmente móveis.
Estes eventos são particularmente semelhantes à vida humana. Os
encontros com gotas móveis podem gerar unidades que seguirão
indistintas até o fim do percurso. São possíveis também
separações, criando novas gotas, cada uma irreversivelmente
impregnada de algo da outra. Também acontece, nestes encontros, de
uma gota móvel tomar da outra o que lhe era necessário para seguir
adiante, abandonando aquela na imobilidade à qual foi reduzida.
Queira a "entidade metafísica à qual os senhores prestam
culto" que nosso fim seja uma bela reunião na base do box ou,
além, no oceano. Haverá ralos, centros de tratamento, caixas
d'água, quintais, chuvas, novos boxes, em ciclos quase
intermináveis, indecifráveis, memoráveis. Ou não! Pode mesmo
terminar tudo no ralo. Não importa! Importa este box, este percurso,
as gotas aqui encontradas e ali deixada. Quando possível, observe as
gotas no box.
Não se esqueça: "Outros Diálogos" virou livro! (Clique aqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário