Muitos anos atrás eu tive um professor que marcaria minha vida para
sempre. Hoje, com a bagagem que adquiri, sei que o professor O.
(nome omitido para não expô-lo) não foi o maior mestre em História
que existiu, entretanto, naquela época, a paixão que ele
demonstrava pelo assunto e pelo ato de ensiná-lo comoveram meu
coração de criança para sempre.
Seu nome era citado como grande inspirador do meu desejo pelo
conhecimento muitos anos depois de eu concluir meus estudos. Jamais o
esqueci. Tornou-se um verdadeiro Herói para mim. Dia destes,
entretanto, fui surpreendido por um boato (com tantas evidências que
é extremamente plausível tratar-se de um fato) de que ele estaria
envolvido em um grande escândalo de sedução de uma aluna menor de
idade. Eu não pude aceitar que o meu herói tivesse se convertido
naquilo que o relato indicava, não podia conceber que talvez ele já
fosse assim desde a época em que era meu professor, assim, minha
decisão foi de que tratavam-se invariavelmente de pessoas distintas.
Mesmo que na sucessão cronológica fosse o mesmo homem, na narrativa
da minha vida meu professor O. De História ainda era um Herói e o
homem do boato um estranho. Assim nascem os heróis. Ainda que não
possuam realmente toda a nobreza que lhes atribuímos, as marcas
positivas que deixam em nós os mantêm Heróis.
Hoje, 14/03/2014, porém, quero falar de como nascem os vermes,
assim, contarei sobre o meu dia. Neste dia acordei três horas mais
cedo que o de costume, movido por um único objetivo. Nesta noite
haveria um compromisso ao qual eu fora convidado há menos de um mês,
mas pelo qual ansiava há um ano. Por que um ano? Porque a exatamente
um ano eu abandonava minha curta vida como docente e, sobretudo,
abandonava as magníficas pessoas que conheci e tinha o orgulho de
chamar “meus alunos”. Traí sua confiança afastando-me da escola
covardemente. Não me despedi com o pretexto de não prejudicar as
aulas causando comoção entre os alunos. Provavelmente uma desculpa
para camuflar minha covardia. Sei que muitos choraram. Sei que chorei
muito, e choro até hoje. Hoje, porém, seria o dia da redenção.
Mais uma vez eu teria a oportunidade de estar com eles, novamente eu
seria seu professor e eles seriam meus alunos, mesmo que não
estivéssemos em uma aula.
Saí do meu trabalho três horas e meia antes do horário de costume
(duas horas antes do horário oficial) e duas horas antes do meu
compromisso. Não vou narrar a maldita sequência de eventos e
situações que me fizeram chegar em meu bairro uma hora depois
daquela na qual eu deveria te chegado ao local do evento (isto seria
só mais uma desculpa esfarrapada). Naquele local um inocente
grupo de crianças (que matariam se me vissem chamando-os de
“crianças”) pretendia homenagear-me (entre outros, é claro) em
sua colação de grau (de conclusão do ensino fundamental). Esta seria a
primeira vez em 33 anos de existência (provavelmente a única até o
fim da minha vida) em que haveria algum reconhecimento pelo meu
esforço em algo realmente de valor e em que eu acreditava (ver meu
sentimento sobre isto no texto intitulado "Reconhecimento!").
Poucos anos antes (de fato, algo em torno de 2000 e 2002) eu estava
tomando um chá com um grande amigo (hoje um verdadeiro Mestre em
História) e ali disse (ou fiz uma oração) de que se um dia eu
pudesse lecionar e tirar dali o suficiente para manter minha família
eu me sentiria uma pessoa verdadeiramente realizada. Não consegui.
Para os poucos alunos que tive não passei de “o cara que os
abandonou”. Hoje fui apenas “um cara que faltou”, “o cara que
não se importou”, uma cadeira vazia em sua formatura. Ainda que
minha vida seja oposta ao do professor O. e no futuro eu realize
grandes feitos e conquistas, no coração destas crianças, mesmo
depois de crescidas, eu serei sempre aquela cadeira vazia. Assim
nascem os vermes.
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