Em abril de 2014 o site Ecycle (http://www.ecycle.com.br)
fez referência à exposição fotográfica homônima ao presente texto, de Rachel
Sussman, e fui convidado (por um amigo, não pelo Ecycle, cabe esclarecer) a
tecer comentários. Sendo a vida em geral algo que me fascina e, sobretudo, sua
alucinante luta através (e contra) o tempo, aceitei o convite com gratidão
(pretendia dizer “com entusiasmo”, mas demorei tanto para começar a escrever
que a frase pareceria falsa).
Faz alguns anos que não participo dos tais “Amigos Secretos”, seja entre
amigos, seja nos locais em que trabalhei. Antes disto, participei alguns anos e
quando me pediam para indicar o que queria ganhar a primeira opção (mesmo
sabendo que não seria dada) era uma muda ou sementes de sequoia (pedia muitos
mais como evidência de meu desprezo por qualquer coisa “dável” que por
esperança legítima de ganhar uma). Esta árvore sempre me encantou tanto pelo
tempo que pode viver quanto pelas proporções que é capaz de atingir. Ter uma
sequoia no quintal (e não tenho um quintal no qual possa plantar uma árvore) me
deixaria mais perto de Telperion e Laurelin ¹, árvores fictícias tão grandes
que toda uma floresta adjacente não passa de musgo em suas bases.
Gosto de assistir a vida. No meu quintal (pequeno e coberto, no qual não
cabe uma árvore) tenho plantados² shikimi (planta ornamental japonesa), pimenta,
tomate (mas ainda não deu nada), gengibre, hortelã, salsa, violetas, ipês (que
não crescem, dado o emprego de técnicas emprestadas dos bonsais), amoreira,
goiabeira e orquídeas. Não está tão bonitinho (não sou paisagistas nem
jardineiro) quanto a leitura da relação possa indicar e minha senhora sempre me
lembra disto. Ao lado destas plantas tenho garrafas de três litros de coc… (opa. Não posso fazer comercial) com dois centímetros de substrato no
fundo e musgos, pequenas samambaias e tatuzinhos vivendo em harmonia em seu micro
ecossistema separado do mundo com fita isolante. Numa destas garrafas tenho uma
amoreira de 10 centímetros de altura crescendo sobre uma pequena pedra cercada
de musgo. Minha Telperion particular sobre a montanha. Posso passar horas (hipérbole.
Na verdade são dezenas de minutos) sentado com meu cachimbo (ok. Ok. Não sou o
cara mais saldável do mundo. Podem culpar Tolkien e a Filosofia) apenas olhando
a vida dentro das garrafas. Um observador externo (meu vizinho, minha esposa ou
um leitor desta postagem) pode pensar que sou louco. O que há para ver no
crescimento de uma planta? Eu assisto a vida, rasgando o tempo com a
dificuldade de um andarilho cruzando um rio com água à altura das cochas. Não
pode nadar e a força de oposição da água (força de arrasto viscoso) ao
movimento das pernas torna cada passo uma luta. Eu assisto isto nas plantas. A
fluidez do ar nos faz esquecer do esforço da raiz para cavar cada milímetro no
substrato. Eu vejo isto nos insetos, tentando obter alimento sem tornarem-se um.
Vejo isto nas pragas destruindo a própria fonte de seu sustento enquanto tentam
resistir aos meus ataques. Gosto de assistir a vida, sua jornada “odisseística”
no tempo, sua criatividade infinita, sua simplicidade. Ver fotos como as de Sussman
me alegram, pois sei que os lugares que ela visitou são as minhas garrafas. Os milhares
de anos de idade em cada forma de vida fotografada são vitoriosos exemplos de
sucesso nesta história que tanto me apraz assistir. Quem sabe minhas garrafas
sobrevivam à inclinação de meus sucessores de as lançarem ao lixo? Quem sabe as
pessoas percebam que a “pata de vaca” surgindo com esforço de uma fissura na
calçada não é menos nobre que uma conífera centenária? Quem sabe a decisão de
plantar ou cortar uma árvore deixe de ser tomada por questões meramente paisagísticas
e passe a ser considerada questão de respeito ao próximo?
Cada um de nós está infinitamente longe de ser a mais velha coisa ainda
viva sobre este mundo, mas podemos caminhar para ser a mais sábia.
Notas:
¹ Procure “Duas Árvores de Valinor”
no Wikipédia para que este comentário faça sentido
² Em garrafas PET (qual o sentido de
jogar as garrafas fora e, em seguida, compra vasos?) sem furos no fundo (o furo
no fundo serve apenas para jogar agua fora com a desculpa que é para drenar o
substrato. Alguém que realmente aprecia a contemplação assistirá o solo e o
manterá com a humidade exata, sem excessos que precisem escapar por buracos e
correr para o ralo).
³ Uma macieira morreu
recentemente, vítima de cochonilhas. Agora estou lutando para eliminar uma nova
infestação no abacateiro.
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