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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Torre do Tesouro - 2

Em agosto de 2013 -meu filho aos cinco anos- eu escrevi o texto Torre do Tesouro (ou "Escada para o Céu"), no qual narrava um sonho e os conflitos que ele me trouxe, como (pseudo)filósofo e como pai. Quase dois anos depois o sonho me alcançou de novo, mas não era possível acordar.

Neste sábado houve um encontro. Uma festa junina particular concebida para reunir bons amigos cuja frequência das reuniões não é assim tão boa. Em dado momento meu filho surgiu da multidão chorando e me abraçou. Imaginei que estivesse triste por falta da minha atenção, então fui com ele para a sala brincar. Depois de um tempo chorou de novo, então fiquei com ele no sofá, conversando, tentando identificar o motivo da tristeza. Ele apenas dizia que estava triste e que não queria conversar, pois se dissesse o motivo iria ficar mais triste.
Com insistência e jeito, finalmente consegui que se abrisse: me explicou que estava brincando, procurando um povo de “pessoas pequenas” (muito pequenas mesmo) que supostamente morariam em baixo da casa que estávamos visitando. Pequenos orifícios no rejunte no banheiro e um furo (com bucha, no qual algo esteve parafusado no passado), seriam entradas dos túneis pelos quais transitavam. Disse que brincou assim um tempo até que foi chamado por outra criança que anunciou que era tudo imaginação¹. O grande problema não foi o fim súbito da brincadeira, foi a reação em cadeia que veio em seguida. Ele me perguntou se a fada do dente também era imaginação (e disto não é difícil deduzir que em seu coraçãozinho pesava a dúvida sobre Papai Noel e tudo o mais). Algo da inocência do meu filho estava partindo. Meu grande temor (leia o “Torre do Tesouro”) estava se concretizando e aquele primeiro sonho atingiu minha cabeça como um raio. Novamente vi meu filho subindo os degraus e eu perdido, sem saber se o impedia ou o impulsionava escadaria acima.
Entre uma queixa e outra sobre o fato das pessoas não acreditarem (em coisas mágicas) e perguntas sobre eu ainda acreditar ou não (e eu explicando que era normal as pessoas irem deixando de acreditar, conforme iam crescendo) ele me dá o golpe de misericórdia: “Papai, quando é que a gente vai ver?”. Era uma pergunta simples e terrível. Há (ou não) coisas mágicas no mundo e há pessoas que creem e outras que não. Para além de toda descrença ele me apresentava a esperança em um momento catártico² no qual um único deslumbre passaria à limpo uma vida, eliminaria toda a dúvida e devolveria sua paz, inocência e esperança infantis.
Quem era eu (e lá vamos nós de novo para os pés da Torre) para, com um único golpe cruel, anunciar àquela criança que depositava em mim toda a sua Fé que não iriamos ver nada, nunca? Que não há povo nos buracos da casa, nem fada nas quedas de dentes, nem coelho transportador de chocolate, nem velhinho de vermelho no fim do ano, nem divindades amorosas zelando por seus filhos? Nunca veríamos nada pelo simples fato de nada haver para ver ³. Como poderia dizer que a vida é este enorme mar de frustrações prestes a nos afogar e que quanto mais tempo você passa sobre este mundo menos esperança tem de que seja diferente? Respondi o que estava ao alcance de um pai que não queria destruir um coração e, ao mesmo tempo, não podia mentir (dizendo que veríamos com certeza e/ou em breve). Disse que não saberia se veríamos nem quando, mas que não precisávamos parar de acreditar por este motivo. Ele adormeceu. Agora estou aqui, com o coração partido, olhando desesperado para todos os lados em busca de um único veio de beleza e magia que possa apresentar ao meu filho antes que o cinza do mundo real o assalte irreversivelmente.
P.S.: Caso alguém tenha curiosidade sobre que fim teve o Minecraft, anuncio que foi esquecido por um tempo e retomado há alguns meses, quando finalmente comprei o jogo (até então era uma versão de demonstração. Travava com 30 minutos de partida e não salvava o que havia sido feito). Há algumas semanas meu filho descobriu o modo “criativo”. Ali, vejam que coisa, seu primeiro impulso foi o de aproveitar os recursos ilimitados (garantido pelo referido modo) para construir uma torre (agora torre mesmo, não apenas escadaria). A Torre está tão alta que de cima não se vê mais o solo (tudo é branco). O mais interessante é que, tendo clicado aleatoriamente em um dos materiais disponíveis, acabou construindo boa parte da torre com blocos de diamante. Uma Torre do Tesouro?

Notas:
¹ Certamente sem maldade, apenas como alerta ou para evitar algum excesso (não duvido que mais cedo ou mais tarde ele tentaria, em sua busca, cavar um buraco ou arrastar um móvel).
² Esperança que -entre uma angustia e outra, um vazio e outro- eu mesmo devo ter em algum lugar.

³ Fique à vontade para criticar a contradição entre este ponto e a nota 2. A experiência humana é contraditória por definição.

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