Semanas atrás
sonhei que encontrava meu orientador da iniciação científica¹, em um café, e ele
me perguntava (ou “acusava”, ou “denunciava”, ou “lamentava”. Quem pode saber?):
“Por que você abandonou a Filosofia?”.
Acordei sem
conseguir responder. Tenho a impressão de ter chorado antes de acordar, dada a
incapacidade de responder, associada à incontornável verdade daquilo que a
pergunta afirmava: Eu abandonei a Filosofia. Por semanas amarguei o peso
daquela pergunta e o peso da presente existência, totalmente mergulhada em tudo
que não é Sofia, pois Sofia não paga contas. O mundo é mergulhado em estupidez
e eu, verme, sou amaldiçoado por ser capaz de perceber a estupidez, mas nada
poder fazer a não ser alimentá-la e sobreviver das migalhas que caem de sua
mesa.
A vida de um (pseudo)filósofo
que não teve competência para a vida acadêmica é esta: trabalhos vazios, sendo
remunerado para fazer aquilo em que não acredita para ajudar acionistas a ficar
cada vez mais ricos enquanto migalhas em forma de salário caem em sua boca
escancarada. Com o estímulo certo você até dá a patinha. “Por que você
abandonou a Filosofia?”. É possível responder isto? É possível ter abandonado
um lugar que você nunca visitou? Alguém com quem jamais esteve?
Neste final de
semana ouvi Lenine cantando “No dia em que ‘ocê’ foi embora eu fiquei, sentindo
saudade do que não foi, lembrando até do que eu não vivi, pensando em nós dois.”.
Outros pensariam em relacionamentos passados. Eu pensei em Sofia. Saudade das
aulas que não dei, lembrando das pesquisas que não fiz. No mesmo dia fui à
livraria utilizar o vale-presente que ganhei de dia dos pais. Passei pela ala
de administração, gestão de pessoas, coaching. Não fui capaz de escolher algo
ali. Comprei um livro do Baudrillard, um do Sartre e um do Cortella (ninguém é
de ferro). A derrota esfregada em minha cara. Abandonei Sofia sem nunca ter
feito uma legítima declaração de amor, acovardado pela discrepância entre minha
situação financeira² e a riqueza dos pais dela, não dei a ela chance de dizer sua
opinião ao meu respeito.
Ainda assim,
mantenho ao meu alcance pinturas com seu rosto (Baudrillard), fotos (Sartre) e
selfies (Cortella), torturando-me pela pergunta que não sei responder e pelo
fato que não sei contornar. Abandonei Sofia.
Notas:
11. Nome
omitido para que meu Mestre não se sentisse exposto (aos um ou dois leitores
deste site).
22. Nascido
e Criado na Zona Leste de São Paulo, peguei o tempo que seria usado para
estudar francês e alemão para ler Bergson e Kant nos originais e usei para
trabalhar e colaborar nas despesas de uma casa cujo pai foi abatido pela
violência da terra da garoa.
Caro amigo:
ResponderExcluirEu não abandonei Sofia. Continuo nutrindo por ela uma grande "philia". Não me sinto à altura de outro tipo de amor, o "eros". Mas, como um admirador/amigo, continuo perseguindo a tal "Sofia".
Por "sorte", consegui segui-la mais de perto, após alguns anos sem ousar me aproximar definitivamente. Contudo, sei que essa "mulher" é inalcançável. Rsss.
Agora, falando sinceramente, não sei se é possível "abandoná-la". Digo isto porque penso que, uma vez fisgado pelas suas "artimanhas", nosso modo de pensar nunca se modifica de novo, voltando a ser uma ingênua permanência irrefletida no mundo.
Grande abraço.
Boa tarde Sr. Ricardo!
ExcluirObrigado pela visita.
Fico pensando neste não ser capaz de voltar "a ser uma ingênua permanência irrefletida no mundo". Seria uma maldição?
Não abandonou. Abandonar é outra coisa. Você deu um tempo.
ResponderExcluirEu penso que dei um tempo com Clio também. Estou tentando fazer as pazes.
A vida não acabou,temos tempo!
Saudações Mestre Newton!
ExcluirLembra da tradicional piadinha de início de adolescência, “Estou namorando com aquela menina, mas ela ainda não sabe!”?
O senhor tem uma história com Clio (neste momento faço um “L” com o indicador e o polegar e os movimento em um semicírculo enquanto pergunto “Entendeu? Entendeu?”). O mais perto que cheguei de Sofia foi um tímido aceno à distância. Não se pode “dar um tempo” em um relacionamento que nunca começou.