“A Filosofia é
inútil!”, disse-me o mestre, certa vez. Meu professor e orientador defendeu
esta posição, da qual discordei e discordo até hoje, e esta discordância está
entalada em minha garganta deste então. Hoje, entretanto, em um diálogo sobre o
cenário político com um grande amigo fui alvejado com a pergunta/sentença “para
quê serve a História?”
Esta pergunta
reacendeu o gosto amargo do “A Filosofia é inútil!” (até contestei na época,
mas não à exaustão). Será que a História também é inútil? Quero retomar o que
desejei dizer ao mestre e ver se é aplicável à História. Antes, porém, vale
dizer que admirava muito meu professor e não o admiro menos agora. É obvio que
a declaração tinha um contexto e é repleta de significação, equiparando a Filosofia
à Arte, disfarçando de inutilidade a imprescindibilidade máxima. Ainda assim
quero discordar, e espero que meu mestre me perdoe. Preciso discordar. Como
disse, concordar com isto é amargo, por mais belo que seja (ou pareça ser).
Ao amigo da segunda
pergunta - “para quê serve a História?” – pedi licença para responder aqui. A
ele, ao mestre e aos visitantes do presente texto solicito paciência. Meu
raciocínio é lento e a escrita é deficiente. Vamos, devagar, ao resgate de
nossas amadas (História para ele, Filosofia para mim). A tese de meu mestre é
brilhante. Eleva a Filosofia ao reino do Belo e do Bom platônicos, confere-lhe
dignidade máxima, como não ser inútil? O reino do útil é sujo, é menor, é o
mundo das ferramentas, da matéria, das falhas. A Arte, a Música, a Filosofia,
são de um reino puro, acima do nosso. Servem ao deleite daqueles que as frequentam.
Nada mais. A máxima utilizada para fechar o raciocínio era implacável: “Como
prova, basta imaginar o que aconteceria ao mundo se todos os departamentos de
Filosofia desaparecessem de todas as Universidades instantaneamente. O mundo
continuaria exatamente igual. Nem melhor. Nem pior.”
Talvez seja
possível, inclusive, transbordar esta máxima para a História. A inutilidade dos
departamentos de História fica evidente quanto você lê as imbecilidades que são
compartilhadas em mídias sociais ou vomitadas frente às câmeras de televisão. A
História não foi capaz de livrar este povo da imbecilidade, embora a maior
parte tenha concluído o ensino médio. A resposta que teria ao meu mestre,
porém, é no sentido oposto. A máxima, isoladamente, é verdadeira e
indiscutível. O expurgo imediato de todos os departamentos de Filosofia (e
História) seria irrelevante. O mundo não notaria. Nada seria perdido. Ponto
final. Entretanto, isto não é evidência da inutilidade destas ciências, Inúteis
são os departamentos. Demagogia, verborragia (eita. Será que aqui estou sendo
hipócrita?), hipocrisia (aqui estou verborrágico!), egocentrismo, arrogância,
tudo isto com requintes de crueldade. Os acadêmicos desperdiçam vidas, tempo e
dinheiro em discussões infundadas do que fulano queria dizer quando disse X.
Não são Filósofos (ou Historiadores)! São, no máximo, os “operários da Filosofia”
denunciados por Nietzsche!
Inútil é esta
grande irmandade de operários. Uma maçonaria às avessas. A Filosofia e a
História morreram há tempos. Melhor dizendo, estão em coma. Aguardam serem
resgatadas pelo verdadeiro Filósofo que haveria de vir, esperança e profecia de
Nietzsche. Obviamente não terei a arrogância de pretender sê-lo, entretanto,
sei onde ele não está: Não está nas academias, e é exatamente por isto que o
desaparecimento destas (de suas alas de Filosofia e História) seria
irrelevante. Elas já não existem. Elas já não estão lá. Já desapareceram,
restando apenas cascas brincando de ler artigos, brincando de revirar
documentos.
Muitos anos atrás
eu aprendi a tocar violão. Pouco tempo depois aprendi a tocar contra-baixo.
Você conhece minha banda? Gosta das minhas músicas? Claro que não. Não existem.
Nunca compus. Mas encontrei abrigo para meu ego na igreja. Aqui eu não sou
nada. Mas na igreja eu era o grande “baixista da banda da missão de domingo de
manhã” (havia outra banda, mais importante, para a missa da noite). Percebe a
analogia? Um músico medíocre se disfarçou de grande músico em um lugar em que
era praticamente o único (quem mais quer ser baixista?). Um sujeito sem
competência mínima para ser ele mesmo Filósofo se esconde atrás da carreira
acadêmica, mas note, o certificado dirá “Mestre em Filosofia”, “Doutor em
Filosofia”, nunca “Filósofo”. São operários. É evidente (e não mentirei) que
digo isto com todo o ressentimento de um sujeito que não teve competência nem
para ser um deles, mas para ficar bonito, vamos fingir que eu preferi assim.
Passemos ao polo
oposto deste raciocínio: Se já admitimos a inutilidade dos departamentos de
Filosofia (e, talvez, de História) e já admitimos que os filósofos (e, talvez,
os historiadores) não estão lá, PARA QUE SERVE A FILOSOFIA? E A HISTÓRIA? Eu
sempre vi - e aqui me revisto da arrogância máxima que uma pessoa possa ter direito
de ter – a Filosofia como o tronco central do conhecimento humano. Todas as
demais ciências são galhos mais próximos ou mais distantes do tronco, a maior
parte é extremamente fina, frágil, separada do tronco por várias ramificações
de galhos progressivamente mais sólidos. Para “puxar o saco” do meu amigo
admitirei que a História é a raiz. Fonte de nutrientes e água, fonte de vida,
fonte da matéria da qual a Filosofia é feita. É impossível fazer Filosofia sem
conhecimento profundo do que fomos até este ponto. É impossível fazer História
sem o profundo senso crítico que só a Filosofia oferece. É impossível fazer
qualquer outra coisa sem estas duas. A ramificação da ramificação da
ramificação – noutras palavras, a especialização excessiva – criou a ilusão vigente
de que Filosofia e História são prescindíveis. Por isto meu mestre deixou-se convencer
de sua inutilidade (e para não enlouquecer, revestiu a inutilidade de beleza
poética). Você pode ser um executivo de sucesso sem ler Hobsbawm, um brilhante
engenheiro sem qualquer contato com Kant. É possível. Mas se é mesmo assim,
porque o sucesso desenfreado dos tais “Coaching”? Por que Códigos de Conduta
Ética? Por que tanta deficiência lógica e moral nas praticas corporativas e
políticas da atualidade? Falta algo? Falta seiva. O ramo seca se estiver excessivamente
longe do tronco e da raiz.
Não! A Filosofia
não é inútil. Muito menos a História. Elas apenas não estão aí, daí a ilusão de
que o mundo ficaria igual com seu desaparecimento. Urge que despertem. Que ressuscitem.
Como? Com nossa voz. Ensinos Budistas dizem “A Voz executa o trabalho do Buda!”.
Nossa voz precisa ecoar, nas empresas, nas ruas, na internet. Voz que resgata a
racionalidade. Voz que refuta a distribuição de babaquices nas mídias socias.
Precisamos resgatar a Crítica. É preciso criticar, e criticar não é xingar a
presidente. Criticar é revisar, refletir, avaliar, validar ou refutar, renovar.
Isto é Filosofia Viva e com esta Filosofia o mundo pode sim ser diferente. É
preciso analisar erros e acertos passados, ser capaz de reconhecer os sinais
dos tempos, os padrões de comportamento sociais, políticos, os ventos
econômicos. Isto é História Viva e em seu campo a imbecilidade não germina.
Para que serve a
Filosofia? Para sair da caverna. Para superar o analfabetismo funcional (sabe
ler, mas não entende o texto) e, sobretudo, o analfabetismo espiritual (sabe
ler e entender textos, mas não lê o mundo). Serve para ver as letras verdes das
quais o mundo é feito (assista “Matrix”), compreendê-las e tomar posse delas. É
mais até que sair da caverna, é largar o tacape. É tornar-se – e já é tarde –
Humano.
Para que serve a
História? Para nos lembrar que a pré-história já foi há muito. Para dar voz ao
suor e ao sangue dos que nos precederam. Para expurgar atrocidades e para lavar
nossas mãos, não como o “lavar de mãos” de Pôncio Pilatos, mas para garantir
que nunca mais sujemos nossas mãos cometendo os crimes de nossos ancestrais.
História serve para despertar a vergonha, pois houve tempo em que não fomos
humanos, e não foi no Século XIX, foi hoje de manhã, no Facebook, no SPTV, no
Planalto e na Paulista.
Enquanto o
Verdadeiro Filósofo não nasce, enquanto o Historiador derradeiro não se
apresenta, tomemos para nós suas tarefas, como seus arautos, representantes, “Joões”
Batistas de novas eras. Para que serve a Filosofia (e a História)? Para tudo!
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