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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Bandido bom é bandido morto

“Bandido bom é bandido morto!” é um dos não poucos mantras repetidos pelos grupos mais conservadores em discussões políticas e sociológicas de botequins e mídias sociais. O “Caso Eike” (eu devo dizer “case”, para reproduzir o ridículo anglicismo do mundo corporativo?) deu margem para a contra argumentação “Só é bom morto se for preto e pobre. Com branco e rico a gente tira selfie!”. Um visitante mais assíduo (se é que existe tal pessoa) do presente espaço já deveria saber que sou absolutamente avesso à máxima que dá nome a este texto, assim, não preciso perder tempo discutindo-a. O que quero, agora, é me opor também à antítese.

O raciocínio aqui é simples: a vida real é levemente mais complexa que a luta “meninos X meninas” pretendida por machistas e feministas ou a luta “operário contra patrão” bradada por especialistas políticos do facebook. Na análise comportamental da resposta geral ao “caso Eike” também temos que ser capazes de transcender o mero “rico contra pobre” ou “negro contra branco” e perceber toda a complexidade subjetiva que atravessa o cenário. Entenda: o ser-humano é inerentemente egoísta. Não digo isto como crítica. Ser egoísta na presente reflexão não é pecado, é apenas uma característica. Há de se registrar também que o egoísmo é distribuído, na forma de um “degrade”, em círculos concêntricos, ficando cada vez mais denso até sobrar apenas o círculo do eu. Explico: Se há a necessidade de escolher entre empurrar o carro quebrado de um morador da sua rua e o de um estranho, você empurra o do conhecido. Se há apenas uma fatia de pão e estão com fome o seu filho e o do vizinho, você alimenta o seu menino. Se você está dirigindo e coloca-se em situação de colisão imediata você tira o seu lado da rota de colisão, mesmo que isto implique em expor o lado em que está o seu filho (ação reflexa e inconsciente, é claro). Isto é triste. É chocante. Mas é real. Reflita e saberá que é.
Pois bem, estabelecida a presença do egoísmo como característica inerente, devemos concordar que tomamos nossas decisões e definimos nossos valores e opiniões preponderantemente baseados em questões de “eu” e “meu”. Agora tomemos novamente o “Caso Eike” e eventos semelhantes. Se você avaliar bem, notará que não importa a catástrofe que um empresário ou político corrupto possam criar e as milhares de pessoas que direta e indiretamente sofrem e morrem em decorrência das ações destes caras, continua sempre possível mantê-los fora dos nossos círculos de egoísmo. Eu não perdi nenhum parente em Mariana. É claro que a corrupção me criou algum ônus (na verdade, MUITO ÔNUS), mas trata-se de coisa diluída no meu dia a dia e, nesta vida de sofrimentos ininterruptos, acabo nem percebendo. “Se há sorte, não sei, nunca vi!”. Você poderá protestar “Mas o cara amarrado no poste também não me fez nada!”. Claro que não. Mas não foi você quem o amarrou no poste, foi? Os diversos “eu’s” que o espancaram e amarraram o fizeram porque este sujeito afrontou diretamente seus círculos de egoísmo, porque ele roubou o “meu” vizinho, a “minha” irmã, a “minha” casa, a “minha” comunidade. Se o Eike tivesse causado um único arranhão no meu filho ele estaria em estado grave neste momento. Mas como o dano causado pelas dezenas de Eike’s que exploram este país não é visível agredindo diretamente o meu garoto, mas sim diluem-se na minha necessidade de pagar escola particular, não ter qualidade de vida, não ter acesso à saúde, etc., não percebo a ofensa aos círculos de egoísmo.

Resumindo, não se trata de amarrar e bater em um porque é negro e pobre e poupar o outro porque é branco e rico, mas simplesmente porque eu não me senti atacado por este, enquanto aquele me ofendeu diretamente (através dos círculos supracitados). Ao “Todos merecem uma segunda chance” os conservadores respondem “E a segunda chance do homem que foi assassinado?”. Aos conservadores eu pergunto “E a segunda chance dos mortos em corredores de hospitais? DIRETAMENTE ASSASSINADOS PELOS EIKES E CUNHAS deste país?”. Se a vítima de latrocínio for um parente (meu pai morreu com um tiro na cabeça enquanto voltava para casa. Era taxista) desejamos todo o tipo de sofrimento seguido de morte ao executor. Por outro lado, se não identificarmos a vítima da corrupção como alguém com conexão direta aos nossos círculos (minha mãe esteve duas semanas internada em hospital público ao lado de marginais baleados e pessoas com doenças contagiosas graves. Eu assisti pessoalmente dois óbitos enquanto a visitava) nos anestesiamos, tomamos distância, seguramos uma xícara de café e emitimos um indiferente “Que lástima!”.

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