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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Inferno

O Inferno é um conceito interessante, pois unifica religiões. Ele é tão abrangente que existe até em religiões como o budismo, no qual nem mesmo há um deus para nos mandar para lá. Sendo então tão frequentemente citado e ameaçado, não poderia ficar fora dos nossos diálogos.

Obviamente não vou explicar cada inferno de cada religião, sendo cada um deles tentativas mais ou menos figurativas de explicar um conceito muito mais profundo. Tratarei do inferno tal qual o entendo, cabendo a você verificar se tal entendimento pode adaptar, atualizar ou expandir o seu próprio entendimento. Para resumir em uma frase, o inferno, para mim, não é sofrimento (entendido como fruto de uma condenação), é o vazio de significação. É, sobretudo, a ausência de Deus. Vou tratar em termos de divindade por saber que facilitará a compreensão da maioria dos leitores. Se você for budista substitua a presença da divindade pela iluminação e a ausência da mesma pela ignorância. Se você for ateu substitua esta por ausência de propósito na vida e aquela por plena realização como indivíduo humano.
Agora para "des-resumir" partamos para a análise:
Não creio que Deus seja o juiz e carrasco do mundo tal qual o senso comum e algumas religiões nos acostumaram a pensar. Somos seres inteligentes e livres, embora isto não signifique que realizemos nossa liberdade com inteligência (Leia Pureza, concebido simultaneamente à presente reflexão mas publicado na semana seguinte). Existem atividades intelectuais, verbais e práticas (leia Carma) que naturalmente levam a determinados efeitos. Certas atividades limite (que faço questão de não chamar de pecado) levam, individualmente ou por acumulação, ao efeito limite que entendemos como inferno. Repito, não se trata de um castigo, mas sim um resultado, no sentido mais matemático possível. E como é lá? Não existe lá. Olhe a sua volta e você perceberá que o inferno está em toda parte. Não estou dizendo que este mundo é um inferno (pelo contrário, é um paraíso) mas está repleto de indivíduos com habilidade mestral em criar seus infernos particulares. Não há fogo, enxofre ou cutucadas de tridentes, mas acertou em cheio aquele que o definiu como o local "onde há choro e ranger de dentes".
Cada indivíduo, seja crente (não importa a cresça), seja ateu, é constituído por um conjunto de valores e pela capacidade de avaliar o seu grau de adequação aos mesmos. Mesmo o sujeito mais inescrupuloso tem um ideal de conduta (que não precisa ser necessariamente correta para os sistemas de valoração alheios) e a capacidade de mensurar seu grau de conformidade a este. Em graus de maior conformidade ele está mais próximo de Deus/Iluminação/Plenitude. Graus menores denotam distância. Graus muito grandes de não conformidade implicam necessariamente no inferno, ou seja, ausência de Deus/total ignorância/completo fracasso. O relacionamento entre os sistemas de valores, métodos de avaliação e constatação dos resultados são tão complexos e ocorrem em níveis tão variados (intelectual, consciente, orgânico, etc.) que é possível inferir que há um sistema exclusivo para cada indivíduo, bem como deve haver um inferno único para cada um, donde deriva o fato de que não importa quantas pessoas estejam no inferno e o quanto são próximas, se a ausência de Deus/iluminação/propósito é o primeiro terror do inferno, a solidão avassaladora é o segundo.
Em tempo, espero que a esta altura já tenha ficado claro que não estou falando de pessoas mortas nem de desdobramentos metafísicos. Não os descarto, mas não é este o alvo da presente reflexão. Se você tem inclinação às crenças metafísicas guarde-as como eu estou fazendo (por ora, mas não na semana que vem. Risos) e fique a vontade para imaginar o inferno metafísico como simples sequência do inferno criado em vida. Se você for absolutamente materialista e cético nada aqui o contraria (eu presumo).
Do parágrafo imediatamente anterior ao "em tempo…" creio que já fica ainda mais evidente (admito. já é absurdamente evidente sem qualquer manifestação minha) o quão absurdas são inferências do tipo "depressão é falta de Deus". Não sou ninguém para entrar nas discussões sobre a depressão patológica (frente à qual inferências como esta de Deus extrapolam o absurdo e se tornam verdadeira crueldade), características cerebrais, sinapses, hormônios, etc. Pode parecer contraditório, mas o inferno que descrevo, que é em si o afastamento de Deus/iluminação/plenitude (e notavelmente depressivo) é totalmente oposto à ideia de "depressão é falta de Deus". A frase -quase um mantra para certos grupos religiosos- procura apresentar a ausência de Deus como um causa e a depressão como efeito quando na verdade (para mim) a depressão (em sentido amplo, abrangendo todos os infernos possíveis, não apenas a depressão patológica) é que produz a ausência de Deus/iluminação/plenitude. É por isso que "depressão é falta de Deus" é repetida por muitos mas é impossível de demonstrar na prática. Há muitos líderes religiosos afundando na depressão e há muitos ateus plenamente realizados (note que o contrário também existe).
O ponto é que a inadequação não repele Deus/iluminação/plenitude, sendo que o inferno é causado por nós. É simples: O mergulho profundo em atividades incompatíveis com nosso sistema de valores é o automático afastamento da tranquila praia das atividades plenamente adequadas ao mesmo sistema. Quanto mais fundo em um, mais distante do outro e - atenção, a figura não é aleatória - no limite não há vigor e fôlego suficientes para o retorno. INFERNO.
As religiões, filosofias (aqui aplicadas em um sentido que eu não gosto. Leia Filosofia de Vida), códigos de conduta, etc., mesmo que cheios de falhas e facilmente censuráveis e repreensíveis ainda são meios úteis para manter uma proximidade segura entre o indivíduo e a praia. À exceção da depressão patológica (que por razões diferentes daquelas aqui apresentadas é capaz de criar um inferno mesmo nos espíritos mais plenamente conformados aos respectivos valores), o praticante sincero (a despeito de qualquer eventual má intenção do líder) tem nestas práticas ferramentas eficientes para o processo de ajuste e adequação entre seus sistemas internos de valores e suas atividades práticas. É claro que isto é mais verdadeiro em práticas orientais, notadamente comprometidas com o aprimorar individual, que nas religiões ocidentais que, embora originalmente voltadas ao aprimoramento, não raro são tratadas hoje como meras "lâmpadas mágicas" ("Bora lá dar uma 'esfregada' para o Gênio/Deus atender meus desejos!").
Qual o caminho para o céu? Lembra do "vigiai e orai!"? Vigia suas ações - E SOBRETUDO -, palavras e pensamentos, cuidando para que sejam progressivamente aderentes ao seu sistema de valores. Em seguida trate de aprimorar constantemente o sistema em si.
Qual o melhor sistema? Este segredo Eu não conto! (risos)

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