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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

domingo, 4 de agosto de 2013

Sobre o Tempo

Meu amor pela Filosofia começou muito cedo, porém, não demorou muito para perceber como a filosofia praticada na academia dista da beleza que eu encontrava nos clássicos. A Filosofia atual parece uma casca vazia; não sei para onde o velho espírito voou. Os filósofos são verdadeiros profissionais do “escrever bem”, mas parecem totalmente descrentes daquilo que produzem. Lamento! O mundo ainda me fascina e não pretendo perder de vista este veio de magia que vejo escondido em cada esquina. Apesar do silêncio dos filósofos, a filosofia sobrevive; esta sublime capacidade humana de intuir a verdade do mundo, algo para além do que se vê ou se pesquisa, sobrevive disfarçada de poesia, teatro, música. Deste rico mar de sabedoria que o espírito humano é capaz de produzir algo, por vezes, se sobressai. É o caso da canção “Oração ao tempo” ¹, sobre a qual gostaria de dialogar.

            Já no início, estrofe e refrão se confundem; quando alinhados, uma oração escondida se revela. O que o homem, cujo maior temor é a morte, teria para pedir ao Tempo se a ele se dirigisse? ”Vou te fazer um pedido: Tempo Tempo Tempo Tempo…”. Agrada-me, particularmente, como o músico brinca com temas da vida e da arte, conectando-os e, por isto mesmo, oferecendo ao espectador uma bela interpretação do universo metafísico: “Compositor de destinos, Tambor de todos os ritmos, Tempo Tempo Tempo Tempo, Entro num acordo contigo…
            Na investigação filosófica a escolha das palavras conta muito, pois é por ela que o autor procurará apresentar sua compreensão sobre o assunto. Observem como as palavras se alinham, demonstrando o que o Tempo É, e aquilo que apenas PARECE: “Por seres tão inventivo, E pareceres contínuo, Tempo Tempo Tempo Tempo, És um dos deuses mais lindos…”. A sequência é um diálogo no qual pedido e doação se confundem; é nítida a preferência pela significação estética. Pedir, receber e retribuir se fundem como instrumentos diferentes criando uma viva melodia: “Que sejas ainda mais vivo, No som do meu estribilho, Tempo Tempo Tempo Tempo, Ouve bem o que te digo, Tempo Tempo Tempo Tempo … Peço-te o prazer legítimo, E o movimento preciso, Tempo Tempo Tempo Tempo, Quando o tempo for propício, Tempo Tempo Tempo Tempo … De modo que o meu espírito, Ganhe um brilho definido, Tempo Tempo Tempo Tempo, E eu espalhe benefícios, Tempo Tempo Tempo Tempo…
            O trabalho do artista, assim como o do professor, tem muito disto. Aquilo que se busca para si não é para si, mas para os outros. Aquilo que se espera obter, menos por dádiva que por esforço, obtém-se para logo em seguida doar. Por isto mesmo toda a oração passada até aqui se fecha com este “E eu espalhe benefícios…”. O artista espalhando beleza e significado; o professor espalhando ciência; Ainda assim nem tudo são flores, seja na arte, seja na academia. Ao mesmo tempo em que se busca algo para compartilhar, uma centelha de egoísmo se apresenta. Sei que não é um egoísmo malígno. Acho que nosso espírito transplanta para o universo metafísico um pouco daquela regra que apreendemos nas aulas de física: o atrito. Nada passa completamente de um lado para o outro. Nenhum movimento ocorre sem que parte da energia se perca no caminho.
No nosso espírito também ocorre um decréscimo entre o que entra e o que sai. Um desejo de reter parte, de compartilhar com os outros e mesmo assim manter para si algo que seja único. Não é um comportamento bom ou mau, é apenas humano. Distribui-se muito e, ainda assim, se busca guardar algo: “O que usaremos pra isso, Fica guardado em sigilo, Tempo Tempo Tempo Tempo, Apenas contigo e migo, Tempo Tempo Tempo Tempo…”. Mas há mesmo segredo? O artista está dizendo ao tempo que guardarão mutuamente o segrego, ou está nos comunicando que o próprio Tempo é o segredo? “O que usaremos pra isso (…) Tempo, tempo, tempo, tempo…
            E no fim da jornada cujo início era um pedido de mais tempo, o fim do Tempo. Aqui fim da canção e fim da vida. Mas aquilo que poderia ser apenas fim, Morte, converte-se em promessa; Se nossa existência é medida em tempo, morrer é sair do Tempo, mas isto é romper para sempre com ele ou, talvez, criar a condição de reencontrá-lo em outra forma de existência? “E quando eu tiver saído, Para fora do teu círculo, Tempo Tempo Tempo Tempo, Não serei nem terás sido, Tempo, Tempo, Tempo, Tempo … Ainda assim acredito, Ser possível reunirmo-nos, Tempo, Tempo, Tempo, Tempo, Num outro nível de vínculo…
Se for assim que começa, termina e, sobretudo, permanece mesmo após o fim (“Ainda assim acredito, Ser possível reunirmo-nos…”), o “pulo do gato” do autor é perceber que a oração inicial não se desvirtua com a possibilidade de não ser atendida. No fim, o ato de pedir é receber e a eventual recusa da dádiva é receber mais ainda: Tempo.
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo Tempo Tempo Tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo Tempo Tempo Tempo

Notas:

¹ Inspirado em “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso (Intérprete: Maria Gadú)

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