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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Emancipação Espiritual

Emancipar-se espiritualmente não requer espiritualidade, se você lê este substantivo como sinônimo de misticismo. Pelo contrário: acontece com profundidade inversamente proporcional ao nosso nível de misticismo.
Entenda: quando falo "espiritual" não estou exigindo a presença mística de uma alma eterna (ou seja, esta reflexão é válida tanto para o espiritualista quanto para o materialista); refiro-me à nossa existência subjetiva, transcenda ela o corpo ou não. Ao mesmo tempo quero abarcar algo mais amplo e mais profundo que a mera intelectualidade, algo que pode incomodar acadêmicos e/ou intelectuais.  Certa vez assisti um documentário sobre a vida de um guru. Em certo momento era apresentado o relato de um discípulo. Omitirei os nomes propositalmente, pois caso você queira saber quem eram terá de ir atrás. A Busca é um dos elementos mais belos do processo. Enfim; o discípulo narrava um diálogo com seu, já falecido, guru. Já tendo passado por algumas práticas religiosas e já saturado pelas intermináveis relações de regras proibitivas, indagou quais eram as proibições da prática religiosa daquele guru.
- Você gosta de fumar?
- Sim.
- Você pode continuar fumando. Você gosta de beber?
- Sim.
Você pode continuar bebendo. Você gosta de sair com as moças?
- (entre sorrisos) Sim. Certamente.
- Você pode continuar saindo com as moças.
- Não é possível! Todos os outros me proíbem tantas coisas agora você vai me dizer que eu posso tudo?
- Sim. Você pode. O que eu não posso garantir é que você continue querendo tudo isto.
Emancipação Espiritual! Assim como o discípulo do diálogo eu também passei por algumas práticas religiosas e conheço suas proibições. Mesmo que você se diga ateu ou agnóstico ainda está sujeito a uma série de regras determinadas pelo seu meio social.
A discrepância entre nossos desejos internos e nossas permissões práticas é natural.
O mergulho na realização desenfreada dos desejos em detrimento de todas as determinações, proibições e coerções externas é evidência da mais profunda degradação espiritual, intelectual e até social. É patologia. É o avesso da emancipação Espiritual.
O controle dos desejos internos, refreados por atenção mecânica às determinações externas é Moral. Ainda está longe da emancipação Espiritual.
O controle voluntário e consciente dos desejos por coerção interna derivada da concordância e adesão às determinações externas é Ética. É amadurecimento intelectual. Ainda não é emancipação Espiritual.
O expurgo dos desejos internos e/ou sua substituição por intenções que não necessitem de coerção e regramento interno ou externo. Isso é Emancipação Espiritual.
Curiosamente, desconheço religiões que ofereçam e busquem deliberadamente a Emancipação Espiritual. Ela pode até ser apresentada figurativamente em textos e discursos, mas não é verdadeiramente desejada. Todas as religiões da atualidade, cristianismo, islamismo, budismo, Facebookismo, capitalismo, ateísmo (espero não ter que explicar porque inclui estes últimos na lista) e afins podem até ter uma inclinação à emancipação em seus discursos, mas é raríssima a intenção real em seus adeptos.
As religiões místicas são reduzidas a "lâmpadas mágicas" e suas divindades, personalizadas ou não, são reduzidas a gênios. "Vejamos o que esta prática, ritual, prece ou mantra pode me proporcionar! Danem-se as propostas de mudanças comportamentais e sociais que elas pregam.". As religiões pragmáticas (últimos três da lista acima e similares) tem sua razão de ser em invalidar e/ou sobrescrever os paradigmas das anteriores. Deus abençoe os ateus, pois deles é o reino dos céus. Se a existência metafísica for uma ilusão estaremos todos perdidos. Por outro lado, se existir um Deus pessoal sua direita está reservada aos ateus. Homens que tentaram ser éticos mesmo sem prêmio final. Um ateu minimamente ético vale muito mais que um crente profundamente moral. A imoralidade existe em indivíduos dos dois grupos, não me iludo, mas a imagem aqui construída é muito significativa.
- Parece que o jogo virou, não é mesmo? Perguntou o Joio.
Se a etapa desde o mergulho na realização dos desejos até a verdadeira emancipação espiritual fosse usada como títulos de categorias poderíamos sem dificuldade distribuir a religiões existentes entre elas como que joga uma partida de paciência.
*Mergulho nos desejos (materialistas irracionais): Se eu enumerar as "religiões" que imagino aqui serei acusado de intolerante, então, reservo-me o direito ao silêncio.
*Moral (materialistas pragmáticos e religiosos materialistas): facebookistas, capitalistas, semitas e derivadas, budistas, leitores da DC, leitores de Harry Potter e afins.
*Ética (religiosos espiritualistas e materialistas racionais): Ateísta, Espíritas, religiões africanas, hinduístas, roqueiros, jogadores de RPG, Leitores de Tolkien, Leitores da Marvel, etc. (espero não ter que explicar isto também. risos)
*Emancipação Espiritual: Cri, Cri, Cri, (onomatopeia)
Essa minha enumeração parece preconceituosa e leviana? Certamente é. E certamente trata-se de uma generalização grosseira, havendo membros de cada religião apresentada transitando em outras categorias. No fim trata-se de uma questão individual e não de grupos ou rótulos (embora a influência dos grupos seja inegável). O ponto chave, então, são as categorias e o nosso transitar entre elas. Degraus da Escada para o Céu (há um texto com este nome. Procure!). O ponto chave, crítico e mais triste é: Há práticas religiosas tão intimamente conectadas aos primeiros níveis que mesmo a mais sincera busca individual pela emancipação espiritual é vedada. Explico: Minhas categorias orbitam os desejos internos, correto? Obviamente há desejos positivos. A sede, o desejo de beber água, é positivo. É vital. Então pensemos em desejos negativos, inferiores, seja por serem intrinsecamente execráveis (desejo de matar, de agredir, de usurpar, de violentar), seja por serem censuráveis apenas para aquele grupo, mesmo que aceitáveis para outro (sexo antes do casamento, consumir álcool, comer carne, fumar, votar no PT ou PSDB, etc.). Então você isola um grupo e então reúne os desejos condenáveis segundo os paradigmas daquele grupo. Desejos condenáveis, ações censuráveis. Dá-se então o manualzinho do "Não pode" para o sujeito, um tapinha no bum-bum (tocando gado mesmo) e ele que siga em frente com a cara e com a coragem. "Pare de fazer, mesmo que não deixe de desejar!". Esse sujeito vive e morre oscilando entre o ser Moral e o ser funkeiro. Como ele mesmo não espera da fé muito mais que a realização de seus desejos ou, no mínimo, a proteção divina, não se preocupa em atender as recomendações. "Guarde os preceitos enquanto houver alguém olhando. Depois de dobrar a esquina estás livre. Mas Deus não está vendo? Deus perdoa!" Usei o cristianismo para a caricatura mas a carapuça serve para todas as religiões já enumerada neste texto. Barganha-se com o Universo o tempo todo, tenha ele nome e rosto ou não. Ainda que seja uma Lei. Ainda que seja um acidente (mesmo o ateu pode se ver flertando com a Deusa Alea, ou jamais um ateu jogou na mega-sena?).
"O que eu não posso garantir é que você continue querendo tudo isto.". É possível uma existência em que nosso coração não esteja dividido entre o "devo" e o "quero"? Será possível atingir uma profundidade espiritual em que o quero, o devo e o posso estejam em perfeita harmonia, um verdadeiro acorde de louvor à existência? Por um instante troque sua oração de "Conceda-me" pela de "Faça-me". "Sois Deuses", disse Jesus. "Todos possuem a semente do Buda" disse Sidarta. "O Homem é um ser Moral." Disse o grande alemão e "Não ame. Não sinta. Faça; Apenas faça o que seu lado lógico sugere. Esquive-se das vontades sentimentais; Esquive-se de tal fraqueza de Espírito! Assim tornar-se-á o Além-do-Homem!" disse o prussiano maior. Consulte seu orientador espiritual. Na ausência de um prévio, consulte um veterano de sua prática religiosa. Na ausência de uma religião, consulte simplesmente o seu próprio poder de reflexão lógica. Emancipar-se é sempre um ato de esforço e superação. Pressupõe autonomia, seja obtendo-a, seja consolidando-a. Faça. Fiat!

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