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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Prana!

Nesta manhã saí de casa refletindo sobre Prana e Prasadam (para entender melhor leia O Sopro Vital do Eterno). Renovei meus votos de gratidão pela constante presença do ar em minhas adjacências em seu ininterrupto processo de renovação e cura.

Este processo, me parece, tem caráter dual. Em seu primeiro momento ou estágio o ar em si é renovado e curado em função da fotossíntese ocorrendo em todo o planeta. No segundo momento é o ente que respira que é renovado e curado. Não é preciso ser um metafísico ou um místico para reconhecer estes dois estágios, exaustivamente descritos pela biologia. Respirar é realizar com o ambiente a troca gasosa pela qual expelimos um elemento que nos é tóxico enquanto capturamos outro imprescindível para todo o funcionamento de nosso organismo, inclusive seus processos de renovação e de cura. Um cético (na verdade um chato mesmo) poderia protestar chamando nossa atenção para a presença dos poluentes e todos os males que causam procurando, com isso, refutar a ideia das propriedades de renovação e cura do ar. Ora, não posso aceitar que esta ação humana de "doentificar" o ar (a palavra incorreta é proposital. Abominação linguística para evidenciar a artificialidade e abominação do ato que está descrevendo) seja tomada como característica inerente ao prana. Não o é. É um ato de leviandade humano comparável (na verdade, pior) ao do protestante que zomba da imagem católica, do ocultista que profana a eucaristia, do xiita que explode estátuas milenares do Buda e do racista que invade e vandaliza templos de umbanda na calada da noite.
O ar é sagrado. Prana por natureza e Prasadam quando assim o reconhecemos. E reconheçamos ou não, agradeçamos ou não, oremos ou não, ele renova e cura, em detrimento de todos os esforços de nossa espécie para impedi-lo. Outro protesto possível seria a defesa em favor do homem dizendo que a "doentificação" do ar não é intencional. Ora, até onde eu sei, em qualquer crime ocorrido a comprovação da ausência de dolo não implica na automática absolvição da culpa. O ar renova e cura, seja em nossas mais elementares atividades celulares, seja em nossas atividades intelectuais, seja mesmo em nossas atividades espirituais. Mesmo um cético ou ateu tem profunda relação com o ar. Ele respira fundo em situação de dificuldade e utiliza-se deste ato simples e rápido para recobrar a serenidade, ainda que parcial, para a decisão e ação seguintes. Ação instintiva de busca por renovação e cura. Busca pela tranquilidade e pureza (leia Dia Ruim. Achou mesmo que eu esqueceria de mencionar este texto?). Obtidos níveis mínimos (quase emergenciais) de equilíbrio, age.
Em âmbito espiritual há algo a mais para se dizer. Os indianos já haviam descoberto (e aprimorado) a profunda relação entre a respiração e o espírito há milênios. Hinduísmo e derivados levam consigo essas práticas e as entendem como centrais para suas respectivas buscas pela emancipação espiritual (embora não trate do prana, aproveito para indicar a leitura de Emancipação Espiritual). Há escolas budistas que substituem a meditação propriamente dita pelo mantra. Há doutrinas sem matriz hinduísta que tem profunda relação com a recitação de mantras, embora não utilizem este termo. Para esses casos eu desconfio que há uma experiência acidental de exercício respiratório que acaba tendo efeito análogo ao obtido pelo praticante da respiração consciente e, sem querer, leva o recitador do mantra ao resultado semelhante ao obtido pelo meditador silencioso.
Quando eu era cristão, há mais de uma década, era católico. Já naquela época tive o primeiro lampejo da ideia que estou tentando desenvolver aqui, embora não me lembre de já tê-la exposto. Católico assíduo, tive meu primeiro contato "mantrico" com as rezas e terços. Pouco depois aproximei-me da chamada Renovação Carismática Católica. Uma das grandes novidades era a chamada oração em línguas, quando sob suposta intervenção do espírito santo (sopro vital do eterno?) falava-se em língua inteligível coisas que só Deus compreenderia (ou um tradutor também sob influência do espírito, segundo algo que li nas epístolas ou nos atos dos apóstolos). Não nos importava saber o que dizíamos, pois confiávamos que Deus compreendia. Talvez houvesse outro motivo para o ato importar mais que o significado. Em uma vida passada (sem misticismo. Leia Vidas Passadas) eu estudava na FATEC, perto da Luz, em São Paulo, e quando conseguia chegar mais cedo ou não havia primeira aula eu ia para a igreja do museu de arte sacra orar. Às vezes rezava o terço. Às vezes apenas conversava com Deus, em português mesmo. Às vezes orava em línguas, segundo o "rito" carismático. Certa feita orei por um tempo considerável e senti-me em estado de êxtase (de graça, diria um cristão). No mesmo momento, por inspiração divina ou ardil do diabo (e lá fui eu para o inferno), interpretei aquele evento como algum tipo de super oxigenação de meu cérebro, gerada pela forma e ritmo respiratório que o mantra/oração em línguas criava. Fui para a aula e guardei a ideia nada cristã em um canto do meu espírito. Anos depois tornei-me ateu (um dia me perguntem do Hare Krishna que conheci neste período). Duas vidas depois eu era budista, em uma tradição sem meditação silenciosa, mas sim com mantra. Ora me alegrava com o mantra e o defendia como prática superior à meditação dos outros budismos (talvez como estratégia de defesa para justificar a minha fé). Ora me sentia aquém dos mesmos, ficando para trás no processo de busca de iluminação por não imitar-lhes a forma. Certa vez, recitando o mantra madrugada adentro voltei ao êxtase de duas vidas antes. Lembrei-me da pecaminosa ideia trancada na gaveta mental. O mantra teria me levando indiretamente a certo ritmo e intensidade respiratória que produziram o mesmo efeito de outrora? Ouve uma existência na qual fui músico e tive a impressão que tanto a oração em línguas quanto o mantra da minha escola budista estavam em Dó. Anos depois tive a impressão que o Om indiano também estava em Dó. Provavelmente um músico de verdade e com bom ouvido comprovará que estou equivocado. Não importa. Ainda que não estejam misticamente conectados e a teoria do "estão no mesmo tom" seja absurdamente frágil para mantê-los metafisicamente conectadas, é preciso aceitar que alguma experiência subjetiva concreta as reúne pelo menos naquilo que geral a partir de certas formas específicas de respiração. Noutras palavras, ainda que não exista nenhuma possibilidade mística na forma respiratória acidentalmente praticada por algumas religiões e ativamente desejada e aprimorada pelos indianos é preciso reconhecer seu poder intrínseco ao menos sobre nosso universo psicossomático. Mesmo nessa visão tão simplistas e pragmática o ar ainda é revestido de dignidade, logo, ainda é prana; ainda é digno de ser visto como prasadam.
Se, por outro lado, tivermos a boa vontade e abertura suficiente para aceitar a existência metafísica como, ao menos, possível, então todo um universo de significação se descortina à nossa frente. Prana e Prasadam. Existe algo que conecta todos os "Marcelos" que me lembro ter sido. O imenso prazer que sempre senti em respirar fundo. A satisfação pelo toque do vento. Mesmo antes de toda uma existência inquiridora e crítica que se edificaria depois, num tempo simples de desenhos animados e professoras ainda chamadas de "tia", sempre o mesmo deleite e contentamento. Sempre Prana.

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