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quinta-feira, 19 de julho de 2018

Mãe!

Estou há algumas semanas segurando os dedos. Vontade de escrever em conflito com aquela confusão de sentimentos que impossibilita fazê-lo. Minha mãe faleceu em 13/6/2018 e este texto é sobre ela.
Não se trata de uma homenagem, nem despedida, tampouco desabafo. Trata-se da tentativa de recorrer ao papel (mesmo virtual) para promover uma mínima ordenação no turbilhão de pensamentos que me ocorre. É um texto sobre saudade, amadurecimento e amizade.

* Saudade: Não vou (não posso) enfeitar a história. Minha mãe não era uma pessoa fácil e o relacionamento com ela era profundamente conturbado. Não era raro passar semanas ou meses sem falar com ela. Não descreverei os motivos pois, como disse, não é um desabafo. O grande ponto é que perto ou longe, pensava sempre nela, movido pela gratidão de saber que, para o bem ou para o mal, grande parte do que sou eu devo a ela. Antes do evento supracitado não era raro, em fatos e conversas banais do cotidiano me ocorrer um "minha mãe ensinou assim...", "Minha mãe fazia assado...", "Minha mãe sempre...". Isso não mudou e agora, várias vezes ao dia, me flagro com este "minha mãe..." entalado na garganta. Outro dia me perguntaram se eu já estava conformado. Como é possível se conformar ou acostumar com a ausência da pessoa que esta presente em quase todas as suas memórias? Não tem como. Você se adapta; sobrevive; não há alternativa. É preciso observar, porém, que a saudade é inevitável, o sofrimento não. É possível, por esforço consciente, controlar e expurgar o sofrimento. Ele não tem lugar, propósito, aplicabilidade. É só uma farpa no dedo que compromete o uso da mão inteira e nada acrescenta se deixada lá. Sofrimento não é uma homenagem ao falecido. Saudade é. Se existe sequência metafísica à presente existência, o sofrimento nada mais é que uma perturbação adicional e/ou preocupação para o falecido. A saudade sem sofrimento, por outro lado, acalenta e conforta. Se, por outro lado, tudo se encerra com o último suspiro, ainda menos se aplica o sofrimento. Vivamos a Saudade.
* Amadurecimento: Eu sou, em diversos sentidos, deficiente. Falho em temas triviais para os outros. Nunca aprendi a jogar futebol, muito menos truco, nunca entendi o tal do "xaveco" (minha esposa que me "pegou"), não danço, não visito pessoas, etc. Na infância isto é indiferente. Na adolescência as diferenças ficam mais evidentes e você vai ficando "de lado". Por muito tempo atribuí tais deficiências à minha mãe super-protetora. Não me interprete mal. Nunca discuti com ela por isso. Não fui um adolescente rebelde. Nunca emiti uma única queixa verbal ou comportamental em decorrência disto. Era apenas uma constatação. Depois de adulto, sobretudo depois de pai, percebi que ela fez o seu melhor, como muitas fazer faço eu mesmo com meu filho, igual ou pior. Em contrapartida, é a mesma pessoa que me deu dinheiro que não tinha para que eu comprasse jornais que nunca li só para conseguir meus primeiros livros dos Pensadores. A mulher que me deixava livre para fazer "expecirência!" (experiência - quando criança eu queria ser cientista e ela me dava acesso a quase todo tido de produtos e materiais que existissem na casa para eu misturar e ver o que acontecia). Amadurecemos e aprendemos que nossos pais não sabiam o que estavam fazendo, assim como nós nunca saberemos. Tentaram seu melhor. Tentemos o nosso.
* Amizade: Num momento como aquele (o dia da notícia, o tempo passado na maldita burocracia que nem te deixa assimilar o que ocorreu, os filhos da puta do sistema funerário usando a ocasião para extorquir a família,  noite do velório, etc.) invariavelmente reúnem-se amigos e familiares. A reunião é muito mais espiritual que física. Muitos vão até lá. Ficam mais ou menos tempo. Outros não tem como ir, mas transmitem seus sentimentos remotamente. Seria leviano citar nomes. Sou grato a todos. Tenho grande apreço por todos. Mas descobri algo sobre a amizade, ali, naquele momento de dor. O verdadeiro amigo está com você. Mesmo quando ele acredita que sua presença não basta. Que um abraço não é suficiente, não importa o quanto demore, ele estará com você. E ele estará com você até o fim. Esta é a imagem da amizade. Não importa quanto tempo passe e quantos outros partam. O amigo estará ali até o fim.

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