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sexta-feira, 20 de julho de 2018

Eu Creio nas Promessas de Deus!

Em 19/7/2018 ocorreu-me a seguinte ideia: "Todo iniciante (e mesmo o veterano) da via espiritual sofre com a barreira (intransponível para a maioria absoluta) dos apegos materiais. Informo-vos, porém, que nem de longe esta é a última fronteira... Superado este obstáculo, resta ainda a expectativa de recompensa espiritual. Quem será capaz de transcendê-la???" (Twitter @phdcelo). Sabe-se lá se há verdade nisto. Ainda assim quero me aprofundar.
A aproximação da religiosidade em geral ocorre, via de regra, por motivações materiais. Deseja-se apoio metafísico para comprar a casa, conseguir o emprego, vencer a doença, afastar a morte, etc.
Uma ínfima minoria supera essa visão materialista, compreendendo a religiosidade como, pelo contrário, uma ordenação para transcender o apego aos elementos materiais e mergulhar na busca pelas coisas sutis. A ordem, porém, não é atendida. Esses poucos heróis mantém-se ainda apegados (de formas diversas) à materialidade e mergulham na frustração do dever não cumprido. "Confesso a Deus todo poderoso, e a vós irmãos e irmãs…"
Deste grupo destaca-se uma fração ainda menor de sujeitos que despertam para o fato de que a religiosidade não é uma ordem (externa), mas sim uma necessidade (interna) de progressivo rompimento com a matéria para o encontro com uma existência superior. Mesmo com tal nível de consciência falham, pois demasiado poderoso é o apelo da matéria e virtualmente intransponível é esta muralha. Quem pode transcende-la? Quantos? Um em cem? Um em mil? Um em um bilhão? Quem já o fez? Santos históricos? Santos míticos? Alguém na atualidade? Algum padre, pastor ou monge? Não sei. Não creio.
Tamanha a dificuldade de ultrapassar este ponto que o tomamos como finalidade última, para depois gozarmos das maravilhas acima da matéria. Quando eu era cristão cantava "eu creio nas promessas de Deus..." e ainda "se for fiel no pouco, Ele me confiará mais!" e quando budista pregava "O inverno não falha em tornar-se primavera."
E se, porém, as expectativas de toda sorte de luxos metafísicos não passar de manifestações elaboradas de nossa ininterrupta busca de satisfação material? Quero sempre satisfazer meus desejos, seja neste rude corpo físico, seja num angelical. Apegamo-nos às supostas promessas de deuses, Santos, budas e outras entidades e mantemo-nos apegados a este ininterrupto processo de desejo, frustração, desejo, satisfação. E se nada foi prometido? E se não houver recompensa? E se o objetivo do jogo for justamente "sacar"  este ponto de dar o passo seguinte?
Imagine um crente perfeito, que transcendeu todos os primeiros níveis aqui discutidos, MENOS este último. Ele viveria sua vida como nós em tudo, exceto no apego;  poderia ser filho de um pobre trabalhador, poderia ser órfão, poderia ser filho de um monarca. Poderia ter uma vida simples ou luxuosa, ter ou não amigos, ter ou não discípulos, ter ou não ensinado multidões. Ao contrário de todas as nossas expectativas, estaria tão exposto à aleatoriedade da existência quanto qualquer homem comum. Doenças, fome, contas a pagar, ferimentos, acidentes, caprichos dos outros (assaltos, ataques, inimizade, intolerância, etc.). Não sou capaz de imaginar como morreria tal homem; idoso? jovem? naturalmente? assassinado? Quem sabe? Mas sem dúvida eu sei qual seria sua frase final. Vislumbrando toda uma existência de renúncias que outros não fizeram, de esperanças que outros não tiveram, de total devoção e entrega e, ainda assim, abandonado às mesmas vicissitudes gerais com as quais este universo foi configurado, ele diria: "Meu Deus. Meu Deus. Por que me abandonastes?".
Na plena ausência de quem cumpra promessas (não pela ausência da ou das entidades, mas por ausência do que cumprir), qual o sentido de seguir orando, renunciando, meditando, buscando? No mar de deuses e sábios aos quais somos expostos pelos discursos alheios há um Deus específico que me agrada. Certa vez, aqui mesmo neste espaço, chamei-o "Um Deus esclarecido". Ao contrário de tantos outros textos sagrados, tantas lindas promessas seduzindo-nos do início ao fim, este Deus sabe que não há lógica em burlar regras que ele mesmo criou (se assim o fosse, melhor teria sido não cria-las). Quando um homem desesperado, um príncipe amigo seu em situação difícil, perguntou o que fazer, a reposta do Deus Esclarecido foi:
"É verdade que o homem que se abstém dos excessos sensuais, é capaz de negar a satisfação aos sentidos; tal homem, porém, ainda é inquietado pelos desejos de gratificação. Mas aquele que achou o seu Eu Real dentro de si, é livre até do desejo e de toda tentação que desaparecem como a sombra ante a luz meridiana. O homem que se abstém, às vezes sucumbe ainda ao ataque repentino de um desejo tumultuoso; mas quem conhece que o seu Eu Real é a única realidade, esse é senhor de si mesmo, de seus desejos e de seus sentidos. Tendo vencido os sentidos, pode descansar em minha Divindade, contemplando o Ser Real; o irreal, o ilusório, não existe para ele" - Krishna - Bhagavad Gita
Este é um exercício difícil; Quantos permaneceriam frequentando os templos se os líderes religiosos dissessem que não haverá recompensa? Este é um exercício difícil; Quantos seguiriam fiéis se descobrissem que Deus não é pai (não está lá para nos suprir. Já fez o Universo para isto) e o próximo não é nosso irmão, mas sim que devemos cada um assumir a responsabilidade paternal frente ao próximo e ao Universo? Este é um exercício difícil; Quem é capaz de sobreviver a ideia de pleno abandono,não por falta de amor da divindade, mas pela confiança e esperança dela em nós, ainda assim, sozinho, no escuro e no silêncio, manter-se em sincera entrega e devoção (bhakti)? Não creia nas promessas de Deus e não prometa. Do it. Fiat.

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