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terça-feira, 14 de agosto de 2018

Salvar os Santos

Nesta noite (de 26 para 27/7/2028) tive  um sonho peculiar. Eu vivia fora da Terra, em algum tipo de planeta nave, e respondia perguntas aos outros sobre uma civilização esquecida no antigo sistema solar humano, abandonado bilhões de anos antes.

Não foi um sonho sobre ficção científica, mas sim sobre filosofia e espiritualidade. Tratava-se, virtualmente, de uma análise sobre a situação daquele povo e do significado disto para nós (não "nós" vocês e eu; "nós" o eu que eu era no sonho e meus contemporâneos).
Eu narrava que em um tempo incalculavelmente antigo (incalculavelmente futuro para você) a civilização humana havia recebido a visita de uma civilização que lhes era alienígena. O encontro se deu num momento crítico para os humanos, pois tinham acabado de abandonar o planeta (eu não narrei o motivo no sonho, portanto, não o conheço) e estavam abrigados em um planeta artificial satélite. Séculos e mesmo milênios de relacionamento tumultuado se passaram, regados a decrescente ignorância e preconceito, até que as espécies se diluíram uma na outra e não era mais possível distingui-las.
Superadas características primitivas residuais, iniciou-se uma época de ouro para aquele novo povo, nossos ancestrais. Na ausência de conflitos, insuficiências, guerras, dedicavam-se ao conhecimento, pesquisa, contemplação e deleite artístico. Houve um momento (também não sei porque. No sonho era de conhecimento geral, então eu não narrei), nos destacamos daquele povo, daquele sistema solar, e iniciamos uma jornada universo afora sem olhar para trás.
Bilhões de anos de viagem e de História nos separaram deles.
Sabemos que um dia o Sol se tornou uma gigante vermelha. Eles corrigiram a órbita, mas não saíram de lá. Este evento não era  problema e sua plena suficiência material e espiritual tornava dispensável qualquer jornada.
O Sol implodiu em uma anã branca. Eles corrigiram a órbita, mas não saíram de lá. Este evento não era problema e sua plena suficiência material e espiritual tornava dispensável qualquer jornada.
O Sol encerrou sua atividade nuclear suavemente (para surpresa científica. Esperava-se uma estrondosa liberação de energia e matéria), convertendo-se em  corpo denso, frio e escuro, mas não denso o suficiente para ser um buraco negro. Eles corrigiram a órbita, mas não saíram de lá. Mesmo a morte do Sol não era problema e sua plena suficiência material e espiritual tornava dispensável qualquer jornada.
Neste momento do sonho meu discurso se converteu em apelo. Para o "eu" que eu era no sonho (não tenho certeza se o "eu" que sou agora concorda) havia uma espécie de déficit na situação de plenitude daqueles seres em comparação com a situação de movimento da comunidade na qual me encontrava. Havia urgência, eu pensava, em ir até lá e resgata-los, convencendo-os que a plenitude não bastava e que a busca era infinita.
Quando comecei este texto, dias atrás (estou escrevendo este último parágrafo em 31/7/2018) eu ainda não entendia o propósito do resgate. Para quê "salvar os Santos"? De quê? Quando escrevi (agora há pouco) "não tenho certeza se o 'eu' que sou agora concorda" ainda não entendia o propósito do resgate. Assim que escrevi "eu pensava", assaltou-me a lembrança da parábola budista da "cidade fantasma". Acho que já falei sobre ela aqui mas, para resumir, trata de uma viagem alegórica feita pelo Buda e um grupo de seguidores deserto adentro rumo ao lugar da iluminação. Depois de um longo período naquela viagem aparentemente infrutífera e como já estavam cansados e desanimados, o Buda fez surgir no meio do deserto uma cidade mágica, com comida, bebiba e locais para descansarem. Depois de um tempo ali, já devidamente recuperados, o Buda os chamou para retomar a viagem. Fascinados pelas maravilhas da cidade, porém, rejeitaram o chamado do Buda, acreditando já ter obtido o que buscavam. Penso agora que, talvez, o suposto paraíso do povo deixado na órbita do Sol morto fosse considerado, para aquele "eu", como a cidade fantasma da parábola, indevidamente considerada como suficiente, mas infinitamente aquém daquilo que há ainda para descobrir e conquistar. Misticamente, enquanto escrevia esta parte final começou a tocar "Voo cego" (Jorge Vercilo) em minha seleção de músicas (que fica sempre no Random). Gosto de dizer "misticamente", mas não sou misticista (ou tento não sê-lo). Mesmo consciente de que  foi apenas um evento aleatório, me agrada revesti-lo de alguma possibilidade mística, alguma forma do Universo dizer "É por aí". Caso não seja, nada perco. Foi um belo sonho. Os Santos, por sua vez, continuam necessitando de salvação. Com efeito, todos nós, e isto não é uma afirmação mística. Cada Homem individualmente e a sociedade humana como um todo vive esta mistura de insatisfação mesclada ao apego ao Status Quo. "Sempre foi assim". Mesmo os mais extravagantes devaneios progressistas são pouco (ou nada) comprometidos com o desejo real e concreto de mudança. Requer muito esforço. Bilhões de anos, talvez. Então ficamos adiando, deixando mudança apenas para momentos de confirmada catástrofe. Nunca para evitar catástrofes anunciadas. O mundo atual, com todas as suas maravilhas e horrores, tornou- se nossa cidade fantasma e não queremos deixa-la. E nós somos os santos-pecadores que talvez até tenhamos, um dia, buscado a iluminação ao lado do Buda mas agora perdemos o entusiasmo. Não queremos salvar nem ser salvos. Santos perdidos. Precisamos salva-los. Precisamos salvar-nos.

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