Há pouco mais de dois meses fui
desligado da empresa na qual trabalhava, evento seguido pelo desligamento de
vários outros colegas da mesma área. Em um curtíssimo diálogo on-line (via
FaceBook), um amigo trouxe à tona que talvez este termo dê ao indivíduo humano
o valor de “autômato”. Convidado que fui a refletir sobre isto, decidi
localizar o sentido específico da palavra “ligar” a qual, segundo o Dicionário
Michaelis ¹, significa, entre outras coisas, “fazer laço ou nó em; atar, fixar,
prender (vtd1)” e também “fazer aderir; pegar, cimentar (vtd 2)”. Segue um
breve comentário sobre a visão que boa parte das práticas contemporâneas de
gestão de pessoas evidencia em relação à sua matéria prima, o profissional.
No ambiente corporativo, infelizmente,
por mais que se apresentem infinitos discursos acerca de práticas inovadoras
para gestão de pessoas, o que se vê na prática é o simples ciclo de encaixe e descarte,
no qual se remove a peça obsoleta ou “problemática” e a substitui por outra, a
qual deve ser capaz de se metamorfosear para conectar-se adequadamente à vaga
disponível. Ignora-se as características e potenciais inerentes ao individuo. Que
ele sirva para isto que eu preciso agora é o que basta. O que ele poderia me
oferecer fora dali (noutra área ou atividade) não interessa. Esta facilidade de
substituição evidência que a contratação daquele indivíduo não tinha tanta
relação assim com o correto emprego do verbo “ligar”, uma vez que ele foi inserido
em determinada atividade mas não foi profundamente conectado à realidade
daquela empresa. Não se fez um laço. Nada foi aderido ou cimentado. No máximo,
aproximado.
Do funcionário é cobrado o
comprometimento com a empresa, ele deve “vestir a camisa”, mas esta via é de
mão única. A desatenção às potencialidades intrínsecas àquele indivíduo mostra
que outro sentido bastante significativo do verbo ligar é desprezado, o sentido
de “unir(-se) por vínculos morais e afetivos (vtd e vpr 5)”. A formação moral
de cada indivíduo é um processo que se inicia na família, segue na escola e
deve ser continuado pela sociedade e, sobretudo, pelo local de trabalho, ambiente
no qual ele passará a maior parte ativa do seu dia. Ora, é exatamente o
contrário que se observa. A atividade profissional não toma para si o papel de
formadora e “consolidadora” moral, uma vez que expõe aquele profissional à
praticas, metas e prazos que se tornam verdadeiros testes de seus valores
morais prévios; constroem-se convites (quiçá exigências) para que a visão moral
e emocional que aquele individuo tem sobre o mundo e as relações sociais sejam
subvertidas.
Ao indivíduo que não se dobra ao esquema
pronto fica garantido o “desligamento” em breve. Aqui se começa a perceber o
real sentido que tem o verbo “ligar” no universo corporativo; uma vez que outro
sentido de “ligar é “dar importância, atenção, fazer caso (vti 11)“, opta-se
por “desligar” fulano pois ele deixa de importar, não é digno de atenção, não
se faz caso dele. E isto é fato. O desligamento é frio. Toma-se de volta o crachá
e o individuo precisa de escolta para deixar o prédio. Em alguns casos até o
tempo para se despedir dos colegas é controlado.
Finalmente, descobrimos que a palavra “desligar”
evidencia o real valor que um profissional tem para uma empresa. Outros dois
sentidos de “ligar” são “Eletr: Pôr em circuito, pôr em funcionamento (vtd 13)”
e “pôr em andamento uma máquina, engatando-a com o mecanismo motor (vtd 18)“. O
indivíduo humano deve assumir o papel de autômato, cumprindo rigorosamente o
papel ao qual foi convidado no momento da contratação, assim como os demais que
o empregador julgue por bem lançar sobre ele no decorrer do tempo, conforme as
necessidades e interesses da empresa. Um individuo que não acompanha o ritmo
pretendido, não aceita de bom grado todos os processos estabelecidos se torna
um aparelho com defeito e de manutenção cara. Hora de DESLIGAR o aparelho
velho, lançando-o à sucata do mercado de trabalho. Hora de ligar um
sobressalente, e ai dele se não cumprir com seu papel. Toda a máquina deve
realizar com perfeição aquilo à que foi construída! Ai de mim se anuncio que
fui construído para pensar!!!
Notas:
¹
Dicionário Michaelis On Line: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=ligar acesso em
28/10/2011
Excelente artigo! Infelizmente essa é a realidade em todas as grandes empresas do mundo: eles querem profissionais motivados, atualizados, disponíveis 24x7 e apaixonados pelo que fazem, porém falta uma visão humanista de que não somos simplesmente "recursos humanos" (no sentido mais restrito da palavra recurso). E isso se intensifica ainda mais nas empresas baseadas em conhecimento, que em teoria deveriam ser as pioneiras em oferecer um ambiente aberto e verdadeiro junto aos seus funcionários.
ResponderExcluirÉ isto mesmo amigo Meireles (a propósito, saudações)!
ResponderExcluirO que o senhor acredita que falta para o despertar humano da prática corporativa atual???
Parabens! É exatamente o que descreveu que sinto em todas as empresas que já trabalhei. É a vez do cordeiro e acredite em mim, existem milhares de cordeiros que ligam e desligam ao comando do Chefe. E felizmente esse é sempre o motivo dos meus desligamentos. Mas, a esperança de achar uma empresa que pense me faz sempre me ligar. Proximo passo: Lecionar e Viver! rs
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