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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Bugres e Demônios

   Anos atrás, literalmente em outra existência, aquela que então eu chamava de tia (e pouco depois ela me corrigiria dizendo "É professora!") mandou abrir a cartilha [bem antes de tantos mandos e desmandos nos critérios de seleção de materiais didáticos] em certa página e ler determinado texto. Esqueci o autor. Esqueci o texto. Uma frase insistentemente repetida marcou-me para sempre: "Eu tenho um bugre dentro de mim.".

   Eu não sabia o que era bugre. Li o texto inteiro imaginando um "buggy". A tia, digo, professora, explicou a palavra e o texto ganhou vida [bem antes da caçada aos indígenas ora praticada]. Eu não sabia a ascendência do autor. Imaginava-o branco, então, não entendia a insistência "Eu tenho um bugre dentro de mim.". Poderia ele ser movido por tal espírito? A insistência do texto reverberava em mim, fazendo-me também insistir. Também desejar. Poderia eu ser movido por tal espírito?
   Anos mais tarde (praticamente uma vida depois) e, ainda assim, muitos anos atrás (vidas passadas) outro professor amaldiçoou-me ao ensinar sobre o homem que relatava ter um demônio consigo. O professor deixou muito claro que o daemon relatado pelo homem que bebeu cicuta nada tinha com os malignos da mitologia cristã, assim, [bem antes do expurgo da racionalidade ora endeusado] reverberava em mim a mesma sede. A mesma busca. Poderia eu ser movido por tal daemon?
   Tenho um bugre dentro de mim. Tenho um demônio dentro de mim. Sempre os tive, mas nunca imaginei ver (re)instaurada a inquisição que se apresenta. Se avoluma. Uma massa cinza comprometida e empenhada em controlar, inibir, oprimir.
   Eu tenho um bugre dentro de mim, agora sem aspas, pois não cito outro, cito-me, sou. Sendo-o, choro, vendo a fúria enlouquecida lançada sobre meus irmãos. Revivo a dor de meus ancestrais.
Eu tenho um bugre dentro de mim. Assim sem aspas, e assim abomino vossas obras, sepulcros sobre a mãe Terra, feridas sobre Gaya, ofensas pessoais a Nhamandú.
   Eu tenho um demônio dentro de mim, que me orienta e aconselha. Ironicamente, dele ouço contra ti aquilo que vosso santo disse aos vossos demônios, "É mal o que me ofereces!". Teu pensamento é veneno amargo. Recuso-o. Vossos sábios são loucos. Vossos heróis, ladrões, covardes e assassinos. Demônios no mais puro sentido cristão.
   Eu tenho um demônio dentro de mim. Eu tenho um bugre dentro de mim. Não sou vosso irmão. Não sou vosso amigo. Rompestes com a mata, minha mãe. Ofendestes o Logos, meu pai. Que teu veneno afogue a ti e a tua raça em novo dilúvio, lenda e profecia de todas as tribos. Eu vi Pindorama. Eu vi Atlântida. Eu não sou vosso compatriota. Abomino vossa pátria. Ela é ilegítima. Todas são. Ainda assim, estrangeiro que sou, não retornarei à minha casa. Tenho irmãos aqui. Somos muitos. Reuniremo-nos. Construístes vossa barbárie sobre nossas cinzas. Edificaremos nossa civilização sobre vossas ruínas. Hoje os sábios choram e os bugres sangram. Hoje vossa terra é governada pela loucura, "Nenhuma sanidade será perdoada"!. Mas o amanhã é meu. Sempre foi. Logo será.
   O amanhã é nosso. "Nenhuma loucura será tolerada!". Eu tenho um bugre dentro de mim. E ele ali, na casa ao lado. Eu tenho um demônio dentro de mim, e ela ali, na outra calçada. Não nos vê? Bugres e demônios, estamos em toda a parte. Vosso tempo se esvai, mas não é tarde. Talvez exista um bugre, talvez até um demônio. Aguardo vossa insistência. Aguardo eco, ressonância. Eu tenho um bugre dentro de mim.

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