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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

sábado, 12 de setembro de 2020

Eu nunca sonhei com Deus!

     Eu me chamo Marcelo, tenho 39 anos e eu nunca sonhei com Deus. Em uma conta rápida constata-se facilmente que eu tive, no mínimo, 14.235 noites em minha vida. Destas, uma ou outra sem dormir -sobretudo nas vigílias de meu passado cristão- uma ou outra sem sonhar (eu acredito que há mais noites com sonhos esquecidos do que realmente sem sonhos), acho que mesmo subtraindo um considerável percentual, certamente eu sonhei algumas milhares de vezes, ainda assim, eu nunca sonhei com Deus.
     Não considere este comentário um chute, dado por alguém que deve lembrar, com dificuldade, dos últimos 5 sonhos e como, por coincidência, não encontrou Deus em nenhum deles, extrapola "cinco" para "todos" e emite a máxima que dá nome a este texto.Eu me lembro dos meus sonhos. Não de todos, é claro, mas tenho consciência de que lembro da maior parte. Lembro do que sonhei aos sete anos, aos dez, aos quinze, aos vinte e cinco, aos trinta e cinco, na semana passada e ontem, e eu nunca sonhei com Deus.
     Antes de falar de sonhos, quero falar de Deus: Uma vez um site de resenhas analisou o meu livro. O comentarista disse, ao iniciar a resenha, que acredita que o autor é ateu. Não é difícil concluir isso ao ler (ou ouvir. Já visitou nosso podcast?) meus pensamentos. Acho que não sou gentil com Deus. Ora procuro-O, ora Persigo-O. Deus, por sua vez, é um mestre na arte de se esconder. Algo aconteceu do gêneses (época lendária na qual Deus caminhava ao nosso lado) pra cá que levou Deus a decidir desaparecer. Não o encontramos no culto, na missa, na meditação, não o ouvimos, não sentimos sua mão expurgando o mal do mundo. Para todos os efeitos, vivemos como se estivéssemos sozinhos. Eu acredito em Deus (do contrário, não o procuraria nem perseguiria), assim, não sou ateu. Por outro lado, eu não tenho a fé cega que guia o louvor ininterrupto da comunidade teísta, assim, nessa perspectiva (não tenho fé, não sou temente, nem sempre louvo) sou facilmente classificável como ateu.
     Para quem decide crer, Deus está no canto do pássaro, na gota da chuva, no nascer do Sol, etc.. Para quem decide compreender e aceitar Deus, Ele também está no frio, na dor, na morte, etc. (Leia o Bhagavad Gita. Se estiver com preguiça, pelo menos escute o Raulzito, "Eu Sou, o amargo da língua, a mãe, o pai o avô, o filho que ainda não veio, o início, o fim e o meio…"). Para quem crê e/ou para quem aceita, Deus está em toda a parte, mas esta presença é presumida, muito mais um ato do crente, que da divindade. Tudo poderia estar e ser exatamente como é e está sem qualquer divindade subjacente. O verdadeiro rosto de Deus (que é descrito no Bhagavad Gita, preciso dizer), a verdadeira voz de Deus (que é ouvida por Arjuna no Gita, preciso dizer), a indiscutível presença de Deus (Isso mesmo: Leia o Gita), isso está vedado para nós. Dada a mais perfeita ausência do rosto, da voz, da presença, plano perfeito do ente perfeito, Deus é inencontrável. Preciso postular, porém, que talvez essa perfeição em fazer-se ausente seja o erro de Deus, a prova de sua existência. Eu me chamo Marcelo, tenho 39 anos (mais de 14 mil noites) e eu nunca sonhei com Deus.
     Voltemos aos sonhos. O que é o sonho? de onde vem? o que o causa? donde saem os enredos? Não sou romântico. Não creio que os sonhos sejam premonitórios, ou mensagens, ou visitas, ou qualquer outra coisa. Eu acredito que são as simples e velhas manifestações do subconsciente o qual, aproveitando nosso "baixar de guarda" no sono, nos levam para passear pelas mais disparates histórias. Podemos sonhar com tudo (até com Deus). Não existe limite.
* Nossos sonhos podem ser criados (pelo nosso subconsciente) a partir de nossas curiosidades: Uma criança, vendo os namoros dos mais velhos, pode muito bem vir a sonhar que namora. Quando eu tinha sete anos, aproximadamente, sonhei que uma menina me beijava. Não era alguém que eu conhecesse. Era uma menina da minha idade, com cabelos lisos castanhos, que me beijou na boca, como se fossemos um casal de adolescentes, e tentou me matar com um palito de dentes que estava escondido na boca dela (eu devo ter visto filmes de espiões. rs). Eu nunca esqueci o sonho, a menina, a tentativa de assassinato.
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de nossos medos: Entre sete e dez anos eu sonhava reincidentemente que era abduzido. Eu estava em um berço (eu tenho quase certeza que não dormia mais em berços naquela época) e uma "entidade" (as vezes um grupo delas) não totalmente humana me tirava do berço e me levava para fora da minha casa. Geralmente eram interceptados por outro individuo ou grupo, também não humano, que me pegava deles de devolvia ao berço. Uma das vezes eu consegui tocar o rosto de um dos "salvadores", aquele "time" do bem que me devolvia à minha casa. A pele era mole, removível, e após arrancá-la eu descobria que era o meu pai. Ainda sobre medo, na mesma época eu sonhei algumas vezes que meu pai morria. Também sonhei algumas vezes que minha mãe enlouquecia (fora do contextos dos sonhos da morte do meu pai).
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de sugestões externas: Entre dez e quinze anos eu sonhei reincidentemente que eu era um X-Men (geralmente o Wolverine) ou um Jedi.
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de nossos desejos: Não vou descrever outras que eu (desejava) sonhava aos quinze.
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de instintos primitivos, inconscientes, inexplicáveis: Depois de minha juventude, algo entre vinte e cinto e trinta, eu sonhei que eu não era humano. Eu era uma criatura grande, peluda, vermelha, que corria à noite pela rua sobre quatro patas, com fome, caçando pessoas, desejando alucinadamente devorá-las.
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de vontades. Aquelas pequenas vontades, que te ocorrem uma ou duas vezes, mas não chegam a ser desejos, não são repetidas em seu coração: Já depois dos trinta, não lembro a idade exata, eu me tornei budista. O budismo que escolhi abraçar tinha (tem) um mestre. Liamos livros dele, comentários e estudos dele sobre os sutras budistas, orientações, palestras, etc. Certa vez (aos trinta e cinco?) eu sonhei que estava em um retiro budista (na vida real eu nunca estive em um, nem quando eu era budista), algumas centenas de praticantes sentados no chão em um grande galpão muito bem iluminado (uma quadra?). Ele (O Mestre) entrou sem avisar, passeando pelas pessoas, cumprimentando-as. Lembro-me de chorar. Não me lembro se disse algo. Não me lembro se ouvi/aprendi algo.
* Nossos sonhos podem ser criados a partir de saudades: Eu sempre sonhei muito com meu pai (falecido há muito tempo), Eu sempre sonho que moro na casa da minha infância, eu sempre sonho que toco contra-baixo com minha antiga banda de música católica (não espalhem. Eu ouço música católica escondido), eu frequentemente sonho com minha mãe.
* Nossos sonhos são (podem ser) criados a partir de auto-sugestão (eu aprendi no Beakman. Tentei muitas vezes. Nunca consegui), ou seja, a programação consciente do inconsciente para incliná-lo a sonhar com o que você escolhe.
* Nossos sonhos são criados a partir de aleatoriedades incoerentes, prováveis fusões desconexas de sons e imagens armazenados no subconsciente: já sonhei que voava, que era atingido por um tsunami, que criava vermes, que tinha um cachorro, que tinha um gato, que voltava a trabalhar em empresas do meu passado, que antava aleatoriamente pela cidade à noite, que passeava de bicicleta, que experimentava pratos exóticos na casa de estranhos, que fui em uma palestra mas em vez de ouvir o palestrante fiquei conversando com um dos visitantes, de nome Perônio, ele me ensinou que certos erros na forma de andar podem causar problemas nos dentes posteriores (???), já sonhei que era morador de rua e tomava banho em um banheiro que ficava na sacada da casa em que cresci, já sonhei que defecava em um banheiro com paredes de vidro, de tal forma que transeuntes poderiam ver o evento, já sonhei que dirigia um carro, uma moto, já sonhei que podia deslizar pelas ruas com meus pés, como se estivesse de patins, eu já sonhei com pessoas vivas e conhecidas, participantes do meu cotidiano, eu já sonhei com pessoas que não conheço pessoalmente, mas sei que existem pela mídia e cinema, eu já sonhei com pessoas já falecidas, eu já sonhei com alienígenas, eu já sonhei com a Enterprise (Star Trek) sobrevoando a minha escola, eu já sonhei com gente que não existe, eu já sonhei, quando budista, que estava em uma noite escura, sozinho, com medo, e repetia o mantra budista para ter/obter paz e proteção, eu já sonhei que estava em uma sala escura, sozinho, e repetia um mantra (criado naquele sonho e jamais esquecido) "Meu Deus lutou por mim e Me venceu", já sonhei …, já sonhei…, já sonhei …, infinitos eventos, situações, companhias e eu nunca sonhei com Deus.
     A matriz dos sonhos é virtualmente infinita, tudo que pode ser imaginado pode ser sonhado E mesmo o que não pode ser imaginado pode ser sonhado, pois a capacidade criativa de nosso inconsciente transcende a criatividade consciente do mais excêntrico cineasta. Tudo pode ser sonhado, inclusive Deus, ainda assim, eu nunca sonhei com Deus. É uma questão de probabilidade matemática: Com tantas chances (milhares de noites. milhares de sonhos) era imperativo que, mesmo por acidente, mesmo que Deus não existisse e o sonho não fosse um encontro real, mas tão somente uma história ficcional, como qualquer outro sonho, ao menos uma vez eu tivesse sonhado com Ele, ainda assim, eu nunca sonhei com Deus.
     Eu sei do que os sonhos são feitos, Deus, se existir, sabe do que os sonhos são feitos e, talvez, altere propositalmente até o substrato dos sonhos para garantir a perfeição da Sua ausência.
     Eu me chamo Marcelo, tenho 39 anos, tenho uma curiosidade infinita e ininterrupta sobre a natureza e propósitos de Deus e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu tenho um medo diário e ininterrupto sobre as implicações da ausência ou da presença de Deus no mundo e, ainda assim, nunca sonhe com Ele; eu passei toda a infância (primeira comunhão, orações guiadas por minha mãe antes de dormir, o desenho do Jesus no SBT, etc). adolescência (eu não saia da igreja) e até hoje (acho que o presente site deixa isso mais claro que nunca) cercado e cercando-me de sugestões externas sobre a eventual existência e presença de Deus e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu desejo infinita e ininterruptamente encontrar e compreender Deus e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu, humano, sou programado com o instinto primitivo, inconsciente, inexplicável, de procurar por Deus que deu origem a todas as religiões da história e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; A vontade de encontrar e compreender Deus e assalta enquanto eu pensava nesse texto, enquanto eu tomava banho, enquanto eu regava minhas plantas, enquanto eu me irritava com o trabalho, enquanto eu ralhava com meu filho e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu, agostiniano, tenho saudade infinita e ininterrupta de Deus (escute a música Saudade) e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu preencho o meu dia, da hora que acordo à hora de durmo, de auto-sugestões de minha busca por Deus e, ainda assim, nunca sonhei com Ele; eu sonho, diariamente, por milhares de noites sucessivas, com toda sorte de aleatoriedades incoerentes e, ainda assim, eu nunca sonhei com Deus!
     Eu me chamo Marcelo, tenho 39 anos, busco Deus em toda vigília e eu nunca sonhei com Deus.

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