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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Fogo!

     Essa noite eu fui até o fundo da minha casa. Nosso pequeno quintal de casa geminada tem uma lage. Temos uma escada (dessas de construção mesmo) para subir esta lage, no alto da qual mantemos algumas plantas que não suportam a falta de sol da parta abaixo. Esta noite eu subi esta lage, sentei-me no chão, e fiz uma oferta a Agni.
     Agni é o Deus hindu do fogo. No Mahabharata é frequentemente chamado de "A Boca dos Deuses", pois é ele que devora o que ofertamos aos deuses, é ele que purifica e dignifica aquilo que oferecemos aos deuses e, ao mesmo tempo, ele é arauto dos Deuses, porta-voz de suas mensagens. Nesta noite eu subi na lage que existe no fundo da minha casa e fiz uma oferta ao arauto dos Deuses. Não fiz nenhum estudo sobre o procedimento, nenhuma pesquisa sobre as palavras, apenas fui até lá, separei folhas secas de tabaco (eu planto meu próprio tabaco), folhas e talos secos de hortelã, alguma grama seca (esperando que facilitasse a queima) e coloquei fogo. Em minha mente me dirigi a Agni, Shiva, Vishnu, Brahma e Krishna (manifestação plenária de Vishnu para uns, personalidade suprema de Deus -da qual Vishu é manifestação plenária- para outros). Dirigi-me mentalmente a eles e disse que oferecia aquele fogo como agradecimento, pobre, admito, mas oferecia, por algumas micro-vitórias que tive este dia. Nada disse, nada pensei, sobre as imensas derrotas deste dia. Nada disse, nada pensei, sobre vitórias futuras que desejava pedir (como meu passado cristão ensinou a fazer).
     Eu ofereci, eu pedi que aceitassem, eu pedi que Agni tornasse digna aquele indigno e precário ritual. O fogo apagou. Acendi novamente. Apagou. Não havia vento. A grama acendia e apagava. Eu não sou profeta de Baal. Eu não creio que Elias, tampouco seu Deus, foram até lá impossibilitar meu ato. Peguei tiras de papel, as quais naturalmente acenderam, consumiram-se totalmente e, ao terminar, nada do material inicial queimava. Agni rejeitou minha oferta.
     Não sou tolo. É certo que há explicação lógica para o caso. Alguma umidade que ignorei. Algum óleo intrínseco do tabaco e/ou da hortelã que não seja inflamável (o que explica a não explosão dos cachimbos), etc. Não importa. Qualquer poder da substância de não queimar seria facilmente "derrotado" pela mais ínfima inclinação de Agni por dizer "sim" àquele ato. Ainda assim, nada.
     Então meu espírito deslocou-se (não por misticismo, por mero exercício intelectual) ao Pantanal. Eu não sou santo, mas me partiu o coração pensar que Deus despreza o fogo de santos de fato e santos de desejo, enquanto aceita e mantem (ou não desfaz) o fogo dos ímpios; Eu não sou justo, mas é duro ver desprezado e apagado sem pestanejar o fogo dos justos e daqueles que desejam tornar-se, enquanto o fogo da injustiça se espalha alto, veloz e forte como seus criadores; eu não sou digno, e vi apagado o fogo do digno e dos que desejam construir e obter dignidade, enquanto o fogo dos indignos tudo alcança, tudo destrói, fere, tortura e mata; eu não sou manso nem puro, mas acendi um fogo quieto, tranquilo, exemplo da mansidão que desejo ter, ser e seguir, naturalmente puro e purificador, e o assisti apagar-se, enquanto o fogo dos agressivos, cruéis e corruptores prospera incontrolável.
     Meu pequeno ritual foi inspirado por um pequeno momento de fé e esperança. Morreu na fria certeza de que este mundo é dos canalhas e facínoras.

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