Cabeçalho

Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Deusa Mãe

 A reflexão que segue é (como costuma ser tudo o que eu produzo) inverificável, infundada e profundamente especulativa. Lamento se você chegou aqui esperando respostas. Tudo o que tenho a oferecer são dúvidas. Que a Deusa Mãe nos ilumine e guie em nossas respectivas jornadas em busca do derradeiro encontro com a Verdade. Parafraseando o pensador francês Henri Bergson , somos programados para criar deuses. A leitura dessa frase varia conforme sua visão particular de mundo, oscilando entre um materialista "temos a necessidade ancestral de criar deuses para simular sentido em nossa existência e mitigar a agonia da finitude" e um otimista (metafísico) "trata-se de uma lembrança psico-física que ecoa pelas gerações, nos indica que não somos daqui e nos instiga a procurar o caminho de volta".

Inserindo-nos na segunda hipótese, ou seja, assumindo a possibilidade da existência dos deuses e, com isso, nossa necessidade de criá-los (ou redescobri-los), precisamos admitir que nossa criatividade neste processo é tão infinita quanto devem ser infinitas as divindades (ou devem ser infinitas as formas que um deus, caso único, seja capaz de adquirir). Este programa original/ancestral é sobrescrito (ou "corrompido") pela nossa vaidosa necessidade de antropomorfizar as frutos de nosso ato criativo (criamos quase todos os deuses a nossa imagem e semelhança). A nossa vaidosa necessidade de antropomorfizar é novamente sobrescrita (ou "ainda mais corrompida") pela nosso habito social de masculinizar a existência, consequentemente, a divindade.

Se estamos preparados para aceitar, seja por convicção pessoal, seja por simples exercício especulativo, a existência de um nível metafísico de mundo e, nele, a de seres que se enquadrariam em nossos conceitos para "divinos" ou, no mínimo, angelicais, é consensual (resíduo de alguma ciência presente lá no programa original/ancestral? não sei) que sejam desprovidos de sexo (a genitália e as inclinações psicológicas), sendo este intrínseco de nossa inferioridade material, densa e rude por definição. Nossa compulsão patriarcal pela virilidade e pelo fálico é transportada aos deuses e começamos, gradualmente, civilização após civilização, período histórico após período histórico, a reduzir a presença (quando não, abolir) das divindades assexuadas e das femininas em benefício das imagens viris ou virilizadas.

Na contra mão deste processo histórico de "virilização", a observação das culturas mais antigas demonstra a presença das divindades femininas em plena igualdade (quando não em posição de superioridade, dado sua primazia como agentes de criação) com as masculinas. No hinduísmo Parvati, a companheira de Shiva (um dos três grandes do trimurti, a trindade hindu), é dificilmente distinguível dele, sendo que os dois são frequentemente retratados fundidos, sendo característica da divindade esta dualidade, ora assexuada, ora bissexuada, aparecendo em sua forma unissexuada apenas quando uma ação preponderantemente masculina ou feminina precisa receber ênfase ao ser narrada/retratada.

Importa dizer que o conceito de ser masculino e/ou ser feminino ora explorado em nada entra em conflito com a declaração do parágrafo anterior quando a sexualidade foi apresentada como intrínseca de nosso estado inferior. A sexualidade como presença física no corpo (genitália) e determinante psicológica (gostos, desejos, fetiches, inclinações, independente de qualquer discussão de gênero) são naturais de um nível de existência inferior, tal qual o nosso, assim, dificilmente aceitáveis como presentes em divindades (naquilo que imaginamos como divino), por outro lado, a sexualidade como potência criativa (o feminino como mãe que pari toda a existência) e como potência mantenedora (o masculino como o pai responsável pela manutenção posterior) e, naturalmente, a dança deste casal místico no ininterrupto processo de criação, manutenção e destruição (para reiniciar o ciclo) é perfeitamente aplicável ao divino como meio (sempre incompleto, admito, mas ao menos pragmático ou, no mínimo, pedagógico) de retratar as potências nos momentos distintos de seu ato como origens, gestores e fins de universos.

Um caso peculiar de expurgo da Mãe parece ter se operado no judaísmo. Documentários sensacionalistas (ok. eu não fui pesquisar trabalhos acadêmicos sérios sobre o tema. O que posso fazer? Eu te disse que minhas especulações são infundadas) lá do "absolutamente nada histórico 'History Channel'", corroborados por vídeos de youtube com voz de robô (porque seus produtores tem vergonha de ter a própria voz reconhecida) indicam que textos germinais daquilo que viria a erigir-se como judaísmo traziam em si um casal como divindade, o Deus pai tão conhecido em nossa sociedade atual possuía uma companheira idêntica em poder e majestade. Supondo que as frágeis fontes supracitadas tenham algum ínfimo fundo de verdade, há de se perguntar porque a mãe foi abolida? Ora! Operou-se exatamente o processo de sugerimos no início, com a forma primitiva da religião reconhecendo na existência as potências masculina e feminina agindo unidas no ato criador; em seguida uma distorção/diminuição/corrupção desta visão mais pura da existência com a "antropomorfização" e, em seguida, nova distorção/diminuição/corrupção com a "virilização" do deus antropomorfizado.

Brincadeiras a parte, povos ancestrais primos dos semitas (preferi evitar "ancestrais comuns") eram sabidamente politeístas e com notada presença de divindades femininas em seu panteão, portanto, supor um processo de expurgo do feminino, hierarquização dos diversos masculinos, expurgo de deuses inferiores (mesmo masculinos) em favor de um até, finalmente, forjar o monoteísmo patriarcal não é nada absurdo.

Chegando até aqui, recapitulemos:

* Estamos em um experimento intelectual no qual está admitida a existência de divindades (acreditemos nelas ou não)

* Dentro deste cenário (da metafísica admitida) reconhecemos que somos programados para fabricar (reconhecer) deuses

* Dentro do programa, postulamos que o ato de criar/reconhecer os deuses é naturalmente plural e bissexuado (sexualidade como potência, não como constituição morfológica e psicológica), sendo a pluralidade e multissexualidade inerente às divindades possíveis.

* Se assim for, a antropomorfizarção, o expurgo do feminino, a hierarquização e o monoteísmo ( o expurgo das hierarquias menores até o limite de restar apenas um) são corrupções do programa natural de criar/reconhecer deuses, portanto, subtrações operadas artificialmente naquilo que deveria ser um ato natural e instintivo de indivíduos e grupos.

Por que recapitulamos? Porque eu preciso que você tenha entendido todas as etapas deste processo social e histórico do relacionamento do homem com as divindades no tempo para te mostrar que, lá no fim, "a Natureza sempre dá um jeito" (com esta frase quero que você pare, respire e imagine aquelas típicas fotos com uma flor saindo por uma rachadura no asfalto e/ou um vasto campo de tocos de árvores cortadas com um minúsculo galho verde surgindo de um deles). Se todas as etapas supracitadas são logicamente válidas (ou seja, se são verdadeiras dentro do entroncamento lógico proposto no exercício especulativo ora realizado), há de se admitir que em algum momento uma "casta" religiosa, monoteísta e patriarcal, deverá se destacar e ser responsável pelas profissões de fé de uma fração imensa da população mundial. Foi/é assim? Foi/é!!! Em um mundo com quase 7,8 bilhões de pessoas constatar que mais da metade disto é monoteísta (com todo o cinza que isso traz) e quase 18% é "zeroteísta" (declara-se sem religião) nada mais é que assistir uma área de proporções descomunais ser simultaneamente desmatada e pavimentada.

POR OUTRO LADO, lembrando (preciso reforçar) que estamos em um exercício especulativo, tudo deve ocorrer como se fossemos programados para criar/reconhecer deuses (ou infinitas faces de um único deus maior. tanto faz), portanto, não é de nossa natureza o monoteísmo, muito menos, o monoteísmo masculinizado (patriarcal) que se erigiu e dominou este planeta. Ainda lembrando (preciso reforçar de novo e de novo) que estamos em um exercício especulativo, se não é de nossa natureza o monoteísmo é preciso que a natureza encontre formas de se expressar, ou seja, de quebrar todas as camadas de pedras maiores (antropomorfização), cascalhos (masculinizarção) e asfalto (expurgo da multiplicidade/monoteísmo) para ressurgir e se sustentar neste mundo ávido pela poda, pelo fogo e pelo cinza. Qualquer estrondoso germinar de uma imensa deusa mãe, restaurada plena em poder e gloria, seria automaticamente caçada e expurgada pelo sistema, nunca pronto para desfazer-se de milênios de "evolução" até seu formato atual. A "artimanha" da natureza está no fato de que, mesmo este sistema, é feito por homens e, por mais duros que sejam seus corações, não podem eliminar sua própria natureza ancestral, assim, simples, meiga e pequena (como a flor e a grama de nosso exemplo na abertura deste parágrafo), a "potência feminina de deus" se restaura disfarçada de "eleita pelos homens" (eleita por Deus, mas em história narrada por homens. rs).

Não é onipotente, afinal, onipotente é apenas "nosso" único e imenso deus, mas é, em sua pequenez, onipotência suplicante.

Não é onipresente nem onisciente (qualidades exclusivas do "nosso" único e imenso deus) e, ainda assim, nenhuma prece lhe escapa (?????).

Não é aquela "potência feminina que pari universos" e, ainda assim, é louvada como aquela que deu à luz o próprio Deus criador de universos (???), isso pelos mesmos homens que queimariam (e queimaram) qualquer tentativa de erigir/resgatar o divino feminino em detrimento do monoteísmo patriarcal que representam (ué?).

Enfim! Não estou aqui para estimular nenhum louvor à Maria da igreja católica, muito menos convidar para terços e rosários (prática cuja finalidade e eficácia ignoro), MUITO MENOS para esperar que qualquer católico aceite as proposições supracitadas como válidas (mais fácil é que sejam queimadas), estou aqui apenas para narrar o que vejo, e o que vejo é isso.

Nossa Senhora de Todos os Deuses, Mãe de Deus e de mundos, mãe de crentes e céticos, mãe de órfãos e inférteis, do culto e da fermentação, Parvati, Lakshmi e Durga, Freia, Frigga e Fulla, Iansã, Iemanjá e Obá, Jaci, Ceuci e Yebá Beló, Deusa Mãe, rogai por nós que recorremos a vós!

Nenhum comentário:

Postar um comentário