Cabeçalho

Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O Segundo

 Estava ouvindo uma canção ontem (texto publicado em 18/08, mas escrito em 16. Ouvi a canção dia 15) e, em certa altura, falou-se algo sobre os segundos (medida de tempo).

Obviamente, a palavra foi cunhada muito tempo antes de termos ferramentas precisas o suficiente para isolar o que hoje chamamos de "um segundo". Imagine o tempo inicialmente divido em dia e noite. Dois imensos blocos que nos eram apresentados pelos dados imediatos da percepção. Quatro momentos, se você desejar separar as transições, ou seja, amanhecer e ocaso.

O "horário de almoço" não era fixo (não era garantido nem se haveria alimento naquele dia), então, nosso tradicional "antes do almoço é manhã. Depois é tarde" não era possível. A subdivisão em dois blocos deve ter surgido conforme a observação do comportamento de certas caças tornava mais provável localiza-las em certas regiões em momentos específicos. Regiões de clima mais regulado também podem ter colaborado: já escutei pessoas mais antigas dizendo que houve época em que as chuvas em São Paulo eram tão regulares que era possível marcar encontros com "te vejo antes da chuva" ou "depois da chuva".

As atividades humanas ficavam cada vez mais complicadas e o dia foi se fragmentando antes mesmo de existir a palavra "hora" para nomear os fragmentos. Naturalmente, não havia a hora, mas havia a sucessão cronológica. Uma agenda mental para o dia: ao acordar, "isso"; logo em seguida "aquilo"; logo após, geralmente, "fome"; se possível "rango"; etc.

Medidores de tempo (relógio de sol, ampulheta, gotejador de água, etc.) começaram menos precisos, assim, é elementar que o conceito de hora (precário e impreciso) nasceu antes de segundo, entretanto, ouso inferir (na mais leviana licença poética) que o segundo nasceu antes da hora.

Desde a mais remota observação consciente da duração, do tempo, da sucessão dos eventos, deve ter sido percebido (mesmo que não postulado) um tipo de evento cuja duração tendia ao ínfimo: o momento. O curioso do momento é sua insustentabilidade. Olhe para ele e ele terá partido. Torna-se passado no instante em que é observado.

Ainda que a observação do momento seja sempre subjetiva, pode ser convertida em objetiva quando tentamos transmití-la; descrevê-la. O problema da objetivação do momento é que ele é despido de sua imediatidade. Se ele já era passado quando o notei, tanto mais será se/quando eu o tentar transmitir.

A própria experiência subjetiva é um ato de transmissão, pois o dado imediato da percepção precisa ser transmitido ao observador consciente e é nesse ato que ele é perdido enquanto "evento atual". A consciência está sempre atrasada.

Se o momento (chamemos de "o primeiro") não é (não pode ser) transmitido enquanto acontece, qualquer tentativa de transmissão (seja interna, seja externa) só pode ocorrer em um "SEGUNDO" momento subsequente.

Toda a menor medida imaginável de um evento subjetivo humano sempre é notado ou transmitido, no limite, no segundo momento, assim, não me parece absurdo que a própria distância temporal entre percepção fisiológica (primeiro momento) e a percepção consciente (segundo momento) seja ela mesmo denominada "um segundo".

"Você tinha que ver. Tudo aconteceu em um segundo". Ironicamente, devo ter dito no terceiro (risos).

Só depois de décadas, séculos, quiçá milênios, é que ferramentas de medição mais precisas (na mais plena arbitrariamente) nos levaram a decidir que "um segundo" dura o tempo que hoje lhe atribuímos. Uma segunda definição, tão artificial quanto precisa e rígida, para um conceito originalmente natural e mutável.

É isso. Espero que a sucessão de segundos investidos por você nessa leitura não lhe tenha parecido perda de tempo.

O que este texto muda na sua vida?

Nada !

Talvez tudo, caso você, mesmo que por um segundo, decida observar as relações de sua consciência com os infinitos momentos da sua duração neste mundo.

Obrigado pelo seu tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário