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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

#Verborragia: Mexidos

A palavra indicada para hoje é #Mexidos, assim mesmo, no plural (procuro não alterar características). Não sendo este um espaço sobre culinária vai ser complicado encontrar um caminho sem ovos.

Já que falei de caminho, já que falei de ovos, parece interessante evocar uma circunstância da vida que nos deixa a todos muito mexidos: pisar em ovos.

Como não sou canal de televisão não sou inclinado ao desperdício de alimentos (alguém me explique qual a graça e/ou apelo comercial das intermináveis guerras de comida em novelas e programas em geral) ; sobretudo aprendi com meus pais a pegar exatamente o que vou comer; nada vai para o lixo. Isso basta (na verdade sequer era necessário, mas não pude evitar) para evidenciar que ninguém quebrará ovos literais com os pés, não aqui; debrucemo-nos sobre a figura.

Pisar em ovos não retrata uma via inteiramente feita de ovos, sobre a qual se caminha deixando um rastro de ovos quebrados (ovos mexidos, se estiver calor e o asfalto muito quente) para trás. Os ovos não estão justapostos, como um ladrilho, mas sim espalhados; há alguma distância entre eles. São muitos ovos; o ato de caminhar não é simples, o intervalo para os pés é estreito e desordenado; caminha-se cambaleando, com o risco de pisar em um ovo (ou cair de vez sobre dezenas) a cada novo movimento.

Todos nós fomos mexidos em algum momento da vida (talvez agora mesmo) com uma situação na qual nos sentíamos pisando em ovos, ou seja, uma interação com uma ou mais pessoas nas quais havia tensões que precisavam ser tratadas com muito cuidado e equilíbrio, sob o risco de tudo estourar a qualquer momento: depois não adianta chorar sobre o ovo derramado; ou seria sobre o leite quebrado? Bem. Você entendeu.

Considerando o tamanho do mundo há uma infinidade de caminhos, assim sendo, o que nos coloca nestas estranhas avenidas com ovos no chão? Mexamo-nos rumo ao entendimento:

* O primeiro e mais direto caminho para esta situação é, parece-me, a mentira; não vou construir um dossiê de puritanismo defendendo que mentir é feio e papai do céu não gosta; digo apenas que a sinceridade é a melhor estratégia para uma existência social saudável e sustentável; não é melhor porque alguém mandou; é melhor porque é mais inteligente. Considerando a via oposta, a da mentira, o sujeito que escolheu trilhá-la lança-se ao árduo esforço de sustentá-la, enveredando-se por sequências intermináveis de mentiras para sustentar a primeira, até o momento em que se embaralha entre histórias reais e criadas, trazendo sua falácia ao conhecimento do interlocutor. Pisa em ovos, portanto, a cada novo ato, a cada novo discurso. Isso pode ocorrer em uma pequena mentira no currículo e todos os contratempos decorrentes da incapacidade imediata de realizar alguma tarefa que se prometeu dominar, em um início de relacionamento, quando a confiança do parceiro foi condicionada a alguma característica sua declarada, mas não possuída, até os complexos esquemas de corrupção que governam nosso país. Mais cedo ou mais tarde o desastre se consolida.

* O segundo decorre das projeções do interlocutor ¹ o qual, à revelia de nossas declarações e atos, constrói uma série de expectativas a nosso respeito, colocando-se a cobrá-las em seguida, exigindo nossa adequação ao seu projeto. Nesse caso não há uma mentira ativa ou consciente de nossa parte, mas nossa postura, mais ou menos decidida, pode definir o quanto estamos dispostos a defender nossa realidade e postura, enfrentando e desmontando as ilusões do outro; se, por fraqueza, simpatia, piedade ou qualquer outro motivo, nos retemos no empreendimento de descontruir, aprisionamo-nos em um complexo pisar em ovos para administrar estas mesmas expectativas, capturados por elas enquanto desperdiçamos o conflito eminente; hajam ovos.

* o terceiro é um problema! Por quê? Porque as duas proposições anteriores me parecem suficientes, mas tenho um apego muito grande pelo número três, sendo forçoso pensar uma terceira via; pisamos em ovos, talvez, quando colocados em uma interação imediata, na qual o outro não teve tempo de construir projeções e nós mesmos não tivemos tempo de dissimular nossas características (supondo que o teríamos feito, caso existisse tempo); um "ping pong" dialético se inicia e, conforme a natureza da conversação (uma transação comercial, um flerte, uma conversa banal no metrô, etc.), procura-se sustentá-la em níveis mais ou menos eficazes de evitar os dois primeiros; noutras palavras, a tentativa de evitar as duas primeiras vias pode se tornar, por sua própria natureza e nível de esforço, um pisar em ovos em si. Uma palavra mal escolhida, recebida por um interlocutor cujas inclinações interpretativas nos são desconhecidas, pode por tudo a perder. Curioso, não?

Enfim, seja numa conversa banal na fila do banco (alguém ainda vai ao banco?), seja na entrevista do emprego com o qual você sonhou nos últimos três meses, seja no encontro acidental com o futuro "grande amor da sua vida" (de novo?), parece-me que a simples existência em sociedade tende a nos colocar em pequenos (ou imensos) riscos de conflito dialético que podem, no fim, esmagar algumas dúzias de ovos.

Notar isso mexeu com você? Mexeu comigo. Sempre aprendo algo quando paro para pensar em temas nos quais não pensei antes. No fim é sempre assim; cada nova proposta, cada novo diálogo, cada nova interação, invariavelmente nos deixa, em alguma medida, mexidos.

Notas:

1. Leia Trailer 

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!)

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