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quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

#Verborragia: Quimera

Certa feita uma moça me chamou de "fanfiqueiro". Pedindo que explicasse, ela me deu uma descrição levemente distinta daquela que a internet dá. Apoiou-se no meu hábito de publicar textos para dizer que sou um criador de histórias.

A internet se divide em definições, ora confirmando a alegação da minha amiga, ora declarando que "fanfiqueiros" são loroteiros. Saiamos das histórias evidentemente ficcionais, destinadas ao entretenimento, e também daquelas fantasias (mal intencionadas ou não) sobre nós mesmos narradas para obter benefícios ou admiração. Quero pensar nas histórias que criamos apenas em nossas mentes, sem compartilhar com ninguém, mas que utilizamos para definir nossas decisões e ações. As especulações quiméricas que fazemos sobre os outros, ora por fantasiá-los, ora por preconceito.

"Quimera", segundo meu querido Michaelis, é "qualquer animal fantástico representado pela composição de partes de animais diferentes." (dentre outras definições que acabam convergindo para esta). Não precisamos de um livro para descobrir onde os animais fantásticos habitam (eu não podia perder essa. risos): Moram, invariavelmente, na mente.

Nossa mente, infinitamente criativa, captura frações de informação de pessoas e situações que nos cercam e as funde com outros tantos pedações, construídos por nossos desejos ou temores, projetando um verdadeiro zoológico mítico ao nosso redor. Uma selva viva digna de um episódio de "The midnight gospel".

Sabe? Sou contra a moda atual de combater a mente; neutralizar o ego. Assim sendo, seria contradição eu discorrer aqui em franco ataque às fantasias da nossa mente. Seria infrutífero, pois você não deixaria de fantasiar só porque um estranho da internet recomendou (você não escuta nem o seu psicólogo. risos). Além do mais, seria antinatural. Sua mente é o ápice de um longo processo evolutivo cujo propósito nunca foi a negação. "A gente é feito pra sonhar"¹ e se não o fizermos, não temos propósito.

Você lembra quando conversamos sobre preconceito²? Deixar de ter e criar preconceitos é impossível. É característica inerente do nosso funcionamento subjetivo. É possível, porém, apropriar-se desta consciência, passar a reconhecer os momentos e atos de preconceito e, então, trabalhar ativamente para mitigá-los e ajustá-los, convertendo-os em conceitos concretos. Você "desquimeriza" a criatura, substituindo as partes indevidamente enxertadas por conhecimentos verdadeiros, conceitos sem "pré".

Nosso relacionamento com nossas projeções deve seguir caminho semelhante. Nunca seremos capazes de deixar de fantasiar, imaginar, projetar, criar expectativas, etc. Por outro lado, sempre estará ao nosso alcance -desde que nos mantenhamos conscientes da situação fantasiosa daquele pensamento- a capacidade de destitui-las de suas partes monstruosas  para descobrir suas feições reais. Você percebe algo ou alguém sempre de forma incompleta. Você pode viver por anos naquela situação ou com aquela pessoa e, ainda assim, seu conhecimento sobre aquilo será incompleto. Você, naturalmente, preencherá essas lacunas com elementos de si mesmo, sejam desejos, sejam temores. Você não é um romântico, ou canalha, ou tolo, por fazê-lo. Você é humano! E está tudo bem.

Por outro lado, seu (eventual) hábito de povoar suas adjacências com essas quimeras pode comprometer seu relacionamento com o mundo que te cerca. Fantasie o quando quiser, mas mantenha-se consciente de que está fantasiando. Com isso, observe suas respostas ao mundo (à situação ou à pessoa). Analise seus atos antes de realizá-los, enquanto ainda estão incubando na forma simples intenções. Estas intenções são baseadas em um olhar atento para os dados concretos que você recebeu, ou estão inteiramente baseadas em suas fantasias (sejam positivas, sejam negativas)?

Quanta informação te falta para tomar uma decisão coerente sobre o ato a seguir? Se você sabe pouco, o que fará para saber mais? Atenção a este "sabe pouco". Se você abraça quimeras sem notar que as criou, terá a ilusão de que sabe muito e se sentirá seguro para tomar decisões (equivocadas). Saber muito ou pouco não deve se basear na medição simples, superficial e irrefletida, do volume de informações que você possui, mas sim na análise cuidado do quanto delas realmente veio do objeto de sua reflexão (pessoa, situação, etc.) e o quanto você colocou indevidamente ali. Nota a diferença?

Sou um sonhador. Jamais expurgarei minhas quimeras. Mas as mantenho ali no lugar que nasceram para habitar: uma área privativa do meu coração destinada ao meu deleite, como ler (ou escrever) um conto ou assistir um filme. No momento do ato, da ação real no mundo, da escolha das palavras ou dos movimentos, retiro-me do zoológico (ou da biblioteca, ou da sala de cinema. Use a analogia que preferir) e procuro (nem sempre com sucesso) olhar atentamente para o que há de concreto diante de mim.

Não é fácil. Mas é possível.


Notas:

1. Essa frase me jogou direto no Marcelo Jeneci, embora no original se diga "A gente é feito pra acabar". Recomendo que escute. Fará sentido.

2. Leia Preconceito e 50 Tons de Homens 


Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz! )


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