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sábado, 9 de março de 2024

Sobre as Mulheres

Decidi escrever fora da data. Não quero deliberar sobre as motivações históricas de seu surgimento, tampouco desencorajar a comemoração, mas sim discutir suas significações presentes. Que toda mulher merece respeito e reconhecimento é fato. E isso é o mínimo. Há uma dívida incomensurável. Necessidade de reparação histórica.

Por outro lado li uma congratulação ontem, emitida por uma mulher e fiquei incomodado. Comecei a pensar nas congratulações em geral e, independente da origem ser masculina ou feminina, começaram a me parecer um tanto machistas.

É como ouvir hoje sucessos românticos dos anos 80. Muitos deles eram lindos, para a época, emocionando casais. Hoje são retratos de relacionamentos abusivos. Não cabem mais. Assisti algo análogo nas congratulações de ontem. Não na linha do abuso, mas na sútil forma de dizer "Mulher, ponha-se (ou volte para o) no seu lugar!" enquanto se simulava o louvor.

Veja. Não se trata de maldade do congratulador. Não é (nem sempre é) intencional. Trata-se menos de dolo que de simples materialização de um patriarcado instalado nas mentes, mesmo que nos atos deliberados tentemos desconstrui-lo.

Na congratulação que li era dito, entre tantos outros cumprimentos:

"...mulheres que vão à luta em busca de respeito e espaço sem perder a feminilidade e a fragilidade… 

Mulheres que passam anos abdicando de si, suas necessidades e desejos para se doarem aos filhos e à família e ainda assim são lindas, inteligentes e femininas...

Feliz dia, semana, mês e ano, pois todo dia é dia de comemorarmos nossas conquistas, nosso espaço, nossa feminilidade, nossa força interior!"

Talvez seja pura chatice minha, mas, repito, me incomodou. O que torna a mulher, mulher? O que eu devo localizar aí para vê-la como "não homem" e, então, reconhecer minha dívida? Como disse, respeito e dignidade são o mínimo, ou menos, portanto sequer os discutirei. Com a mulher eu tenho uma dívida ancestral então entregar-lhe tudo é, ainda, o mínimo. Mas como vou reconhecê-la para tornar ato essa quitação?

Meu imediato incômodo foi ler "sem perder a feminilidade e fragilidade". Me parece coisa que um homem diria, imposição de uma sociedade de homens pensando nas necessidades de homens. Numa reunião hipoteticamente (mas que se efetiva e reafirma subjetivamente todos os dias, tal qual o contrato social), um conjunto de machos decretou "o mundo está mudando. Autorizemos que elas obtenham alguns espaços, mas tratemos de garantir que se mantenham mulheres nos moldes que nos agradam". "Feminilidade e fragilidade". Isso é tudo? Isso é a definição da mulher? Se não for feminina é menos mulher? Se for forte merece menos de mim?

"Lindas, inteligentes e femininas". Sabe? há infinitas configurações de rosto e corpo. Eu sei que o expectativa ali é de construir o raciocínio de "são todas lindas, cada qual à sua maneira", mas é evidente que, na prática, prevalece o julgamento estético, de base machista, mesmo quando o agente é mulher. Há padrões estéticos introjetados com tanta força que há homens que não olham para mulheres que não estejam com determinado traje, mulheres que se sentem nuas sem maquiagem. Eu, particularmente, sou apaixonado por mulheres sem maquiagem (e foda-se também o que eu prefiro, vale dizer). Poucas coisas me parecem mais tristes do que ouvir uma moça chamando a outra de linda, desde quê (e sempre quando) maquiada. Tudo que leio ali é "parabéns pelo talento de esconder seu rosto. Estou feliz por não te ver hoje.". Do rosto desnudo, limpo, honesto, se diz "Nossa. Você está tão apagada hoje.". Voltando ao propósito deste texto, uma moça eventualmente menos linda, mais ou menos fora do padrão de beleza vigente, é menos mulher? Devo menos? O mérito é proporcional ao aspecto?

O mesmo se pode dizer da inteligência. Sem resgatar a teoria das inteligências múltiplas - a qual, com certeza, não estava na mente do redator da congratulação- devemos reconhecer que as pessoas não estão todas nos mesmos níveis de desenvolvimento intelectual e conhecimento técnico. Uma pessoa menos sagaz merece menos respeito? Uma pessoa mais simples é menos pessoa? Uma mulher eventualmente ignorante é menos mulher?

Da feminilidade não vou falar de novo, só demarcar que apareceu pela segunda vez.

O texto terminava afirmando, com razão, que todo o dia é dia. O que devemos é para o ano inteiro, não para uma data comemorativa. O que perturba é a evocação da feminilidade pela terceira vez. Se todas as voltas que o texto dá fossem condensadas em linha reta (ou ponto), seria esse: o texto é uma prece, supostamente de e para mulheres, mas emitida por um(s) homem(s). Ele(s), de joelhos e mãos unidas, olhos fechados, recita(m) "Mulher, te autorizo passeios mais longos, mas lembre-se do que me agrada."

O que é a mulher?

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