Não é possível desvincular a palavra sugerida para a reflexão de hoje daquele apresentada na reflexão anterior. Se exploramos que uma pessoa pode, eventualmente, ser abrigo para alguém forçoso é reconhecer que um acolhe o outro.
Com isso, não sou capaz de garantir que não ocorrerá alguma redundância entre os textos, mas o que não é redundante neste mundo? ¹
Se você passou por aqui algumas vezes, deve ter notado que, esporadicamente, me apraz utilizar as significações propostas pelo dicionário² como roteiro. É uma estratégia positiva para nos lembrar que há muito mais em uma palavra que o uso que cotidianamente lhe damos.
De "acolhimento", como substantivo, passei a verbo que lhe dá alma, "acolher", para o qual a primeira significação proposta é "hospedar ou obter hospedagem". Aqui não desejo me aprofundar, seja por tratar-se de uso mais ordinário do termo, seja porque é o ponto de maior conexão com nossa análise de "abrigo". Sigamos.
O próximo significado é interessante: "dar crédito a; dar ouvido a; levar em consideração". Podemos receber muitas pessoas em nossa casa, sala, escritório; podemos ouvir muitas histórias de muita gente, o tempo todo. Nada disso garante que daremos crédito o que estão apresentando. O "dar crédito a" tem dupla direção, uma vez que depende da capacidade do meu interlocutor de merecer meu crédito e de minha capacidade de reconhecer tal mérito. Qualquer desvio em um destes dois elementos leva a complicações. Preciso explicar? Ora: se o interlocutor não merece ou não é capaz de demonstrar mérito, não lhe darei ouvidos. Tratarei tudo como mentira ou, no mínimo, equívoco, e seguirei sem aceitar os aportes que procurou trazer ao meu espírito. O mesmo se dará se ele possuir tal mérito mas eu não for capaz de reconhecer ou se meu processo de reconhecimento estiver equivocado, assim, tratarei o relato, ainda que evidentemente verdadeiro, como falso, repetindo a rejeição que acabo de descrever.
O alinhamento de uma falha dupla, ou seja, o cenário no qual o outro não tem o mérito, mas meu processo de reconhecimento está distorcido, atribuindo-lhe o mérito que não possui, será um incidente catastrófico: darei ouvidos à falácias, assumindo-as como verídicas e absorvendo-as como novo elemento constituinte de minhas crenças e valores.
Conecta-se com os potenciais incidentes acima a terceira significação, aquela que diz que acolher é/pode ser "admitir (alguém) em seu convívio". Ora, seja pelos erros, seja pelos acertos que abordamos assim, é possível/provável que não aceitemos apenas aquele conjunto de afirmações momentâneas, mas o próprio indivíduo que as profere, perpetuando um processo de absorção daquilo que ele nos trás, para o bem ou para o mal.
A quarta significação aproxima-se muito da segunda, já explorada aqui, assim, voltemo-nos à última, a saber, aquela que indica que "acolher" pode ser "deferir algo". Isso é muito interessante. Repense no que já discutimos a acrescente "deferimento" ao processo: Aqui saímos do ato meramente subjetivo de aceitar informações, ideias e/ou valores, passando ao ato de atender externamente uma solicitação. No cenário hipotético (e raro) do alinhamento no qual o outro tinha o mérito e eu reconheci acertadamente o mérito, o efeito é positivo; a hipótese inversa, quando atribuí mérito àquele que não o tinha, esse incidente pode levar à atos inapropriados, quando não danosos.
O acolhimento, portanto, não se trata do simples abraço ou afago que ofereço para um terceiro que, eventualmente, venha até mim, mas sim como foi lidar com os dados (e eventuais pleitos) que ele me apresentar.
Uma reflexão ⁴ minuciosa sobre os comportamentos e relatos daqueles com os quais nos relacionamos, seja reincidentemente, seja de forma esporádica, ou até mesmo única, acompanhada do esforço interrupto de mantermo-nos conscientes dos benefícios e riscos do processo de comunicação⁵, é imprescindível para que sejamos capaz de acolher apenas o que ou quem merece, de fato, ser acolhido, evitando que nos tornemos vítimas daquilo ou daquele que procurávamos proteger/abrigar.
Acolha essa reflexão por sua conta e risco!
Notas:
1. Leia Eterno Retorno
2. Michaelis. Consulta em 15/04/2025
3. Leia “Ser” Humano! Mesmo? Que tal “Tornar-se”?
4. Leia Reflexão
5. Leia Meias (3)
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