Alguns dias depois da sugestão da palavra para a reflexão de hoje, lembrei-me que tenho um texto mais antigo chamado "Sopro vital do eterno"¹. Decidi não relê-lo até a conclusão do presente texto, para que o Marcelo do passado não me influencie (supondo que mitigar tal influência seja mesmo possível).
A pessoa que a sugeriu disse "porque sopro é começo, é leveza, é o que antecede o verbo."², entre outras coisas.
Acho relevante essa referência ao começo, pois se pensarmos em sopro como análogo ao fôlego (e, de fato, não é possível assoprar sem antes inspirar [dualidade de significado não acidental]) somos levados a aceitar que todo o ato humano é precedido por um sopro: reflita sobre aquele respirar fundo que você deu antes de realizar algo que te parecia difícil: uma corrida, levantar certo objeto, falar em público etc.
É como se o fôlego fosse uma busca, lá dentro do mundo sutil do ar, de uma força complementar àquela que temos; a força que nos falta. Mas o ar inspirado não pode ser retido indefinidamente (nem mesmo em caso de mergulho³), então extraímos a força que necessitamos e o devolvemos ao mundo, para que se renove e vá nutrir novas vidas, novos atos: O assopramos de volta ao mundo.
É leve, sutil, quase inexistente, não fosse a evidente percepção que temos através do toque do vento ou do limite de inflação de nossos pulmões. Quantas crises de ansiedade foram apaziguadas pelo simples ato de tornar-se consciente da respiração? Fazer-se atento ao próprio sopro? Observe como somos invariavelmente indissociáveis de nossa respiração e como tornarmo-nos conscientes dela enriquece nosso processo de existir.
Sendo o sopro, o fôlego, a origem e o que antecede todo o ato, também é a origem e a substância do verbo. O que é a fala, se não um sopro cuidadosamente modulado enquanto é soprado para fora?
O sopro, na fala, torna-se meio de exteriorização da minha alma, ponte entre espíritos. Se parássemos para refletir acerca da profundidade da respiração, da sacralidade do sopro -que é, note, a primeira e a última coisa que você faz ao entrar e ao sair deste mundo- reverenciaríamos também nossa capacidade de fala, o dom da comunicação, renunciaríamos à transmissão de leviandades e nos enriqueceríamos mutuamente pela profundidade daquilo que verbalizaríamos uns aos outros.
Não! Não estou propondo um pétreo "tornar indefinidamente sério" cada diálogo nosso; quem me conhece sabe que eu seria o primeiro a falhar; mas acontece que mesmo na leveza, na graça, no riso, podemos comunicar algo que edifique o próximo; poderiamos danificar menos. Percebe?
Nossa palavra poderia ser leve como é o ar que a alimenta. Quem sabe?
Tudo pode mudar em um sopro.
Notas:
1. Leia O Sopro vital do eterno e Prana
2. Leia "Ser" humano! Mesmo? Que tal "tornar-se"?
3. Leia Imersão
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