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quinta-feira, 22 de maio de 2025

#Verborragia: Rastro

 Essa palavra me pegou desde quando foi proposta (ontem; hoje é 21/05/2025); ela ficou ecoando na minha mente com tudo o que tem de presença e de ausência.

Explico: O rastro não existe por si só; ele é como o som; o som não existe como entidade isolada: é sempre o som de algo. Também o rastro, embora, uma vez presente, tenha sua existência objetiva, por definição e origem, é sempre o rastro de algo (ou de alguém).

Comecei falando de "presença e ausência", não na banal intenção de dizer "aqui há rastro", "ali não há rastro". O rastro, quando presente, pode ter ou não substância em si e, ainda assim, estar presente como rastro. Acompanhe!

Imaginemos formas diferentes de produzir rastro:

* Um sujeito X, enquanto caminha por um campo aberto, pode estar mordiscando biscoitos; desloca-se para frente enquanto deixa, inadvertidamente, migalhas para trás; cria-se, portanto, um "rastro do sujeito X"; o rastro existe E tem substância: as migalhas, até então ausentes, inseridas pelo sujeito, evidências de sua passagem e até de sua direção;

* Já um sujeito Y, de mãos vazias, caminha pela praia; seus passos ficam impressos na areia; pegadas invariavelmente impermanentes. Você não contestaria jamais de que o rastro existe, porém, ele tem substância? O rastro não é feito de um material qualquer que o sujeito B tenha inserido na paisagem; nada foi incluído ou removido da orla; simplesmente a areia, desde antes presente ali, teve sua disposição alterada; eu não posso dizer que o rastro é feito de areia, nem de buraco (na forma do pé), nem do ar que preenche aquela concavidade, portanto, o rastro existe, mas não tem substância;

* Finalmente, o sujeito Z transita apressado por uma calçada de cimento; não leva nada consigo; não derruba nada; não distorce a configuração do solo: Não existe rastro.

Está claro até aqui?

Naturalmente, não é sobre o litoral que eu quero conversar: desloquemo-nos agora para as interações sociais. Todo o encontro é um passeio de um indivíduo A pelo espírito de outro indivíduo B (enquanto, simultaneamente, B caminha dentro do espírito de A); a forma de "caminhar" de A e a natureza do "pavimento" de B vai definir se haverá ou não rastro, seguindo situações análogas às dos nossos amigos X, Y e Z.

E o que é esse rastro?

* Memória, se pensarmos em um rastro com substância, tal qual as migalhas do sujeito X; aquele que por ali passou já seguiu, não importa se para a sala ao lado, da qual retornará em seguida, para a cidade ao lado, da qual retornará no final das férias, para outro país ou para o reino da morte ¹, algo ficou impresso e notável "objetivamente" na mente da outra pessoa; as aspas ali destacam meu equívoco em empregar o termo "objetivo" para algo que acontece na mente, império da subjetividade; a escolha do termo se dá com a intenção de destacar que, ainda que a presença rememorada não esteja objetivamente na frente daquele que lembra, o esforço mnemônico a projeta, a desenha, a reproduz, como um holograma, um "objeto" intangível, visível apenas aos olhos daquele que lembra; as migalhas/memórias podem ir sumindo com o tempo, levadas pelo vento ou devoradas por aves, mas, ao menos por um período de tempo, existiram "substancialmente";

* Característica, se nos apegarmos ao rastro sem substância, como o das pegadas do sujeito Y; eu tenho uma memória X de um amigo que, décadas atrás, me ensinou a pressão ideal para calibrar o pneu de minha bicicleta; isso é uma memória do tipo X; eu lembro que meu pai não me deixava tomar café, vício que me foi incutido por uma ex-namorada; memória X; imagine que os corvos do tempo devorem minhas lembranças do amigo e da namorada, mas eu continuo bebendo café e sabendo calibrar os pneus de minha bicicleta; são pegadas impressas no meu espírito, características que eu mantenho como minhas, ainda que ignore suas origens (passei a ignorar no momento que me esqueci);

* Finalmente, pense nos incontáveis estranhos pelos quais passamos no decorrer dos dias; pense, ainda, nos "não estranhos" com os quais não chegamos a criar vínculo, como um conhecido do seu local de trabalho que não chegou a ser seu parceiro em uma tarefa, a pessoa que sentava na segunda carteira da quinta fileira, na escola, na terceira série e assim por diante; pessoas que passaram sem deixar migalhas nem pegadas; sumiram sem deixar rastro.

Qual o propósito deste texto? Levar-te a observar os rastros que existem em você, sejam memórias presentes e/ou recuperáveis (esses "filmes" de nosso passado que podemos reproduzir sempre que dá vontade), sejam características que você julga suas, mas que na verdade foram assimiladas no decorrer de suas quase infinitas interações.

O que, afinal, nós somos? O caminho ou a soma de todos os rastros?²


Notas:

1. Leia Véu (II) https://outrosdialogos.blogspot.com/2025/05/verborragia-veu-ii.html

2. Leia Ecos https://outrosdialogos.blogspot.com/2025/03/verborragia-ecos.html 



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