Cabeçalho

Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

#Verborragia: Idiossincrasia

      Para entender o motivo da Verborragia clique aqui. A palavra de hoje é "Idiossincrasia". Fiquei particularmente grato pela sugestão desta palavra, dado o significado particular que tem para mim.

      Meu primeiro contato com ela não foi em visita ao dicionário, ou numa palestra acadêmica, ou num livro de filosofia; Ouvi "idiossincrasia" pela primeira vez por volta de 1998/99, assistindo ao filme "Gênio Indomável" (1997). O personagem de Robin Williams (professor ou psicólogo? Não lembro. Não importa) explica o amor pela mulher amada, já falecida, descartando banalidades superficiais e reforçando que o amor era pelas idiossincrasias, a reunião dos minúsculos detalhes que a tornavam única. Eu lembro de compreender o sentimento mesmo antes de compreender a palavra, correndo ao dicionário assim que possível. Nunca esqueci o filme, a palavra e o sentimento.

      Contaminado desde então acho que não sou capaz de falar de idiossincrasia sem falar de amor, ainda que este não seja inerente àquela. Ora, amar em alguém tudo que a torna única é justamente o que define a possibilidade do amor (romântico ou não), pois se você ama características gerais não ama a pessoa, ama a característica. Na ausência do reconhecimento e aceitação das idiossincrasias repousam dois caminhos possíveis, um virtuoso, outro nem tanto:

      O "nem tanto" é o "amor" superficial que assistimos no mundo (eu quase escrevi "mundo contemporâneo" mas seria romantismo equivocado inferir que antigamente se sabia amar. Sempre foi como é). Na verdade eu nem devia ter dito "amor", pois é justamente este comportamento superficial e egoísta, distorção do que o amor deveria ser, que cria está multidão de pessoas feridas e com tanto medo de amar que vemos por aí. "Ama-se" características e se pula de "galho em galho" conforme se enjoa das características em um/a e/ou as verifica em maior evidência em outro/a. Não é possível lealdade neste caminho.

      O "virtuoso" é o caminho do amor por características gerais sem envolvimento direto com nenhum dos indivíduos. Ama-se a simplicidade, a sinceridade, a humanidade, etc., e nesta via se vai construindo o amor fraterno (com esforço suficiente, incondicional) pretendido por místicos e santos.

      Subtraído o conceito de Idiossincrasia, subtraídas as vias de amor e pseudo-amor supracitadas, restam os relacionamentos mecânicos, as interações por necessidades práticas, sociais, profissionais, etc.

      Restaurada (ou melhor, obtida) a compreensão das Idiossincrasias passa a ser possível (mas não obrigatório, conforme veremos) o amor legítimo (se "legítimo" lhe parecer exagero, admitamos, pelo menos, um amor que tende à legitimidade). Deixa-se de ver e desejar características gerais e ideais e se passa a olhar (e admirar; e amar) o indivíduo naquilo que lhe é inerente, real e único. É justamente neste ponto que o ato de amar também deixa de ser acidente emocional (quiçá químico) e se converte em empreendimento voluntário e ativo. É um esforço consciente e constante aceitar (por vezes, tolerar) as idiossincrasias do outro. Pelo mesmo movimento (lembre-se. O amor, para ser legítimo, depende das idiossincrasias, mas estas nunca garantirão aquele) é possível, no confronto com as peculiaridades, reconhecer o desamor, ativar a antipatia, anular o esforço ativo pela tolerância, e afastar-se de vez. Não é questão de ambiguidade, mas sim de honestidade. Não somos máquinas de tolerar (refiro-me aqui ao envolvimento em um relacionamento, não aos níveis mínimos de tolerância exigidos para uma existência social saudável, madura e justa) e nada nos obrigada a aceitar, indiscriminadamente, as características do outro; a antipatia (específica desta análise; não todas as antipatias possíveis) derivada da honesta análise das idiossincrasias é infinitamente mais louvável que pseudo-amores praticados pelos entes que desprezam as mesmas idiossincrasias em detrimento de características gerais, superficiais e, muitas vezes, projetadas. Este segundo padrão de comportamento raramente possibilita relacionamentos duradouros de qualquer natureza.

      Finalmente (e como de costume), não se pretende aqui fornecer um manual de como proceder; eu não saberia o que dizer; que possamos, juntos, aprender a reconhecer o que merece ser notado e deixar de lado o que, quase sempre, nem sequer está lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário