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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

#Verborragia: Inspiração

      Para entender o motivo da Verborragia clique aqui. A palavra de hoje é "Inspiração". Eis uma escolha muito interessante, dadas as premissas que levaram ao presente projeto (você clicou no link, né? rs)

      Já há algum tempo venho utilizando a figura das Musas para ilustrar meu relacionamento com o "processo criativo" (Leia Dia Ruim). Não se confunda: não há aqui alusão ao envolvimento com uma ou mais mulheres e à necessidade destas interações para inspirar-me. Evoco o misticismo grego em suas mais puras concepções e coloco-me como simples receptáculo daquilo que essas criaturas divinas tiverem para transmitir.

      Outro alerta é importante: estou me usando como referência porque é apenas o meu processo criativo que conheço a fundo, mas não se trata de um discurso de auto promoção. Quero usar as referências que tenho para ver se daí poderemos obter conceitos mais gerais (nunca plenamente gerais, eu sei).

      Não poucas vezes escrevi por aqui que falar nas musas não é mistificar o processo criativo, não é terceirizar o ato e o produto, simulando psicografia ou algo que o valha. Sei que o ato é do autor, ainda assim, há um "quê" subjetivo que não podemos desprezar.

      Antes de tudo, vamos dar um passo para trás e refletir sobre outra coisa: os sonhos.

      Independente do seu nível de aprofundamento teórico no tema, é quase certo que você tem uma ideia geral de como os sonhos são produzidos (Leia Eu Nunca Sonhei com Deus). Resumidamente, há em você (em nós) uma existência interna que -embora seja parte real, concreta e atuante de nossa personalidade- você sabe que está lá, advinha a existência por meio dos seus produtos, tem certeza que não lhe é estranha ou externa (viu como o misticismo é prescindível? ao menos por ora) e, ainda assim, você não tem acesso direito para explorar, compreender e assimilar.

      A palavra chave aqui é "direto", pois há acesso indireto, conforme a indicação acima: seus produtos. O principal produto desta fração (chame inconsciente. Para mim basta) de sua identidade são os sonhos. De alguma forma ela conta histórias, apresenta situações, suscita ideias, tudo isto por meio das confusas histórias que denominamos sonhos. Desenvolva um relacionamento íntimo e sincero com seus sonhos e você terá a mais completa e profunda mina de conhecimento acerca de si mesmo; vejo só, não era justamente este tal "si mesmo" que aquele célebre templo nos desafiava a conhecer? Mas este texto não é sobre sonhos.

      Esta existência interna, curiosamente incomunicável, porque não conhece (ou não aplica) os mecanismos específicos de linguagem que nossa fração consciente conhece e é capaz de compreender, procura o tempo todo se comunicar conosco. Repito: não são duas entidades distintas brincando de mímica, são duas frações do mesmo ente individual tentando, acredito, se reintegrar. Despida de nosso método linguístico (eu acho que preferiria dizer "munida de método de comunicação demasiadamente profundo e do qual nossa comunicação consciente está irremediavelmente aquém"), ela vai contando histórias nas quais insere pistas na esperança de que sejamos (ou nos tornemos) capazes de localiza-las e compreendê-las. (Agora ocorreu desejo de escrever sobre os sonhos nos animais. Talvez um dia). 

      Até aqui (perdoe a repetição. Ela é necessária para garantir a exatidão do entendimento. Nossa capacidade de comunicação consciente é péssima. Quem sabe um dia possamos conversar por sonhos.) espero que esteja claro que:

   * os sonhos são produtos de uma parte diretamente nossa, (mesmo que parcialmente inacessível, não é algo externo) assim, são produtos nossos.

   * por outro lado, esta parte utiliza elementos do ambiente, experiências, desejos, receios, memórias, etc., para construir seu enredo, assim, de alguma forma, os sonhos também são produtos do ambiente.

   * ainda nessa vertente, faz parte do ambiente a interação com outras personalidades, as quais nos transmitem em nossas interações (diálogos, livros, filmes, músicas, etc.) suas próprias experiências, desejos, receios, memórias, etc.,  assim, de alguma forma, os sonhos também são produtos da comunidade.

   * finalmente, dadas as premissas acima, os sonhos tem a dupla características de serem um produto individual e transcendental, sendo que aqui "transcendente" se aplica a tudo que extrapola minha individualidade, sem incluir a transcendência metafísica (o texto ora construído visa aproximar-se, tanto quanto possível, da metodologia científica, assim, voluntariamente descarta elementos místicos, religiosos, mediúnicos, etc. Disto não se deve deduzir qualquer simpatia ou antipatia do autor por estes temas; eles apenas são prescindíveis para a discussão).

      Compreendido o sonho, cabe-nos verificar se é aceitável traçar semelhanças metodológicas entre a origem dos sonhos e a origem dos produtos da mente consciente (na vigília). Veja: estamos discutindo a "Inspiração", palavra que, para mim, evoca diretamente a capacidade de produção literária (seja técnica, seja ficcional; poesia nunca; música, tampouco), mas que precisa ser aceita como aplicável a tudo o que o homem for capaz de produzir, desde a arte, passando pela ciência, até o aparato tecnológico. Dentro deste contexto, dificilmente contestaríamos que aquilo que produzimos é nosso (não no sentido de propriedade, mas de origem), ainda assim, somos forçados a admitir que algo ali não é integralmente consciente. Tesla, em sua autobiografia, relata que boa parte de seus inventos surgiram em sua mente prontos, em imagens tridimensionais que ele podia analisar em funcionamento, montar e desmontar, fazer testes, etc., tudo na imaginação; o famoso "heureca" que associamos aos cientistas, muitas vezes obtido após longo período de esforço, pesquisa, reflexão e experimentação, vez ou outra nasce espontaneamente e com origem desconhecida. Autores narram experiências de escrita ocorridas com tamanha velocidade que nem eles compreendem, algo em desacordo até com seus ritmos normais de produção. Finalmente, este mesmo que vos fala, pseudo-autor, quase sempre escreve sem plano, sem ideia, sem pretensão de desfecho, sem a mais remota ideia ou intenção do que dizer, apenas começa e assiste o desenrolar do texto como se fosse um leitor, não um autor (está acontecendo com a presente reflexão, inclusive).

      Ora, estamos em um experimento puramente intelectual e voluntariamente descartando qualquer insinuação mística, ainda assim, somos obrigados a confessar que parte da nossa produção nos é apresentada (revelada?) com traços e detalhes que não produzimos diretamente, não escolhemos, não desenvolvemos, apenas recebemos passivamente, sendo nosso trabalho consciente um mero "preencher de lacunas", um organizar mais ou menos funcional da coisa toda.

      Acredito que ninguém se esquivará da proposta de que todo este material é perfeitamente anexável à ideia de "Inspiração". Estou inspirado agora? Se há algo que (mesmo parcialmente) não procede de nossa mente consciente e que não podemos (dentro dos limites impostos a este texto) admitir ou sugerir que venha de outros níveis de existência, só nos resta a alternativa de propor/aceitar que ocorre algum tipo de diálogo subjetivo entre nossa mente consciente e o nosso inconsciente em uma operação semelhante à daquela observada nos sonhos. Esta mesma proposta nos possibilita compreender porque há períodos de maior ou menor inspiração (assim como há épocas em que se sonha mais ou menos), conforme se alarga ou estreita a capacidade de diálogo entre essas duas instâncias do Eu. Aquele que for capaz de decifrar os mecanismos deste diálogo terá a chave para os sonhos, a criatividade e, principalmente, para o auto conhecimento.

      Que as Musas nos aceitem, acolham e inspirem! Nos sonhos, no texto e na vida!

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