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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 15 de março de 2023

#Verborragia: Inflação

 A palavra de hoje, #Inflação, remete naturalmente à nossa existência econômica e, consequentemente, à esfera política. Saturada que é, à luz dos níveis aqui sugeridos, é evidente que vou por outra direção.

Sem recorrer ao dicionário (estou sem sinal de internet neste momento. Daqui há pouco tento de novo) acredito que não erraremos se inferirmos que trata-se de palavra escolhida para os casos em que algo, seja na economia, seja uma barriga, cresceu mais do que se esperaria em circunstâncias naturais e salutares: do contrário, aplicaríamos o termo "crescimento". Era preciso um termo que evidenciasse não apenas o crescimento, mas a forma não natural e/ou patológica com a qual ele ocorreu, seja no volume, seja na velocidade.

O fato de se tratar de uma prolongação do emprego que se dá para coisas realmente infláveis, podemos dizer que reforça a artificialidade o fato de que os infláveis são inflados pela introdução, artificial, de ar ou um gás específico (que varia conforme o resultado pretendido). Um ser vivo, quando cresce naturalmente, o faz pela aquisição de matéria orgânica (a alimentação) e os processos fisiológicos que a transformam em energia ou matéria prima para a construção da própria estrutura interna. Se tentássemos inflá-lo o mataríamos.

Há algo que inflamos em nós mesmos, que pode gerar resultados desastrosos, ainda que ninguém exploda (eu espero). Para além de corpos, bexigas e planos econômicos, inflamos algo inadvertidamente e sem qualquer estudo do termo ou do ato: inflamos o Ego.

Adivinhamos (ou já sabemos por experiência) tratar-se de ato artificial e não saudável pois, do contrário, chamaríamos de "ego crescido", não inflado. O ar que se injeta artificialmente no Ego é uma mistura de diversos gases: vaidades fomentadas por visões distorcidas que os outros tem de nós; vaidades decorrentes de nossas próprias visões distorcidas sobre nós mesmos; alguma perícia real em algo, mas superestimada; etc.

Da guerra de Egos que consolidamos em nossa sociedade -uma cômica olimpíada, destas de televisão, disputada por uma infinidade de bexigas que não param de se expandir, esbarrar e estourar- derivaram os supostos "arautos da libertação das vaidades" a promover ferrenhamente sua inquisição contra o Ego; Psicanálise de botequim garantindo que do rompimento com o Ego nascerá (ou se redescobrirá) um indivíduo superior e mais evoluído.

A realidade é que não é possível vida sem Ego porque eu sou um todo e não posso/devo supor que a fragmentação desta unidade, amputando algo tão profundo, antigo e íntimo, construído por milênios de evolução, seja um caminho de evolução de qualquer natureza. É como se, ao constatar que a caspa é uma doença, propuséssemos como solução a remoção cirúrgica do couro cabeludo. Dizer que o Ego é inimigo da humanidade, tomando-o como problema no lugar da inflação, é como dizer que deveríamos remover todos os braços das pessoas assim que nascem, para garantir que nunca ninguém vá empunhar armas contra ninguém. Corrijamos a inflação (do Ego, da economia e da pressa em propor amputações).

Agora que minha internet voltou digo que não encontrei no Michaelis nada cuja exposição aqui não signifique dizer mais do mesmo, salvo que serviu para me lembrar do antônimo do termo que estamos discutindo; redescobri a deflação.

Antes de retomar minha cruzada contra a inflação convém construir uma defesa do Ego.

Não importa se você tem uma visão completamente existencialista da vida, acreditando que tudo o que você é se encerra com a morte biológica, ou se, pelo contrário, carregas expectativas metafísicas de qualquer desdobramento/sequência posterior para sua consciência, o fato central de tudo é que sua consciência, seja imortal ou não, tem no Ego seu instrumento de manifestação no mundo objetivo; noutras palavras, não importa quantas teorias mirabolantes você cite ou crie para defender suas frágeis esperanças de que você é uma coisa magnífica que está além do Ego -esse inimigo pavoroso atrapalhando sua vida- na realidade, em cada caso, em qualquer tentativa de descrever a existência subjetiva e/ou espiritual, no fim das contas nunca irá surgir uma sublime e angelical versão sua, ao menos não aqui na Terra, que empunhe uma espada flamejante com a qual extirpará o Ego e seus pecados¹, para alegria do mundo e felicidade dos homens. Você É Seu Ego! Cada desvio, vício, ato indevido ou imprudente que você, levianamente, atribui ao Ego enquanto simula luta contra as posturas que este vilão lhe força, são teus desvios, teus vícios, teus atos indevidos e tuas imprudências. Amadureça e assuma sua responsabilidade.

Supondo -SUPONDO- que você não seja o Ego; Supondo -SU PON DO!!!- que seja possível você ser algo maior que (ou ao menos diferente do) Ego, é pelo Ego, sempre e invariavelmente, que esse seu suposto Eu Maior se manifesta nesta existência; se há diferença entre vocês, será sempre de grau, nunca de natureza. 

Coloque uma vela dentro de um balde com diversos furos. A vela é este seu suposto Eu Profundo (Self; Consciência; Espírito; tanto faz) e a luz que vaza pelos orifícios são o Ego. É o meio pelo qual a luz da vela entra no mundo objetivo.

Cada suposta tentativa sua ou de outros de transcender o Ego nunca passou de alterações no Ego; nunca haverá quem o transcenda; se alguém quê você conheceu anos atrás se apresentar em sua frente totalmente transformado, por mais positivas que sejam as transformações (ainda que tenha virado um santo ou um guru), a ponto de você dizer "é outra pessoa", nunca haverá de ser um acesso direito ao Self daquele indivíduo; será apenas (e sempre) o Ego, ainda que completamente transformado/reformado.

O Ego é o veículo de manifestação da consciência na existência objetiva; se/quando há defeito em um veículo, você não o descarta, lançando-se em uma louca caminhada a pé no meio da Rodovia Airton Senna. Você conserta o veículo ou o substitui. Trocar peças avariadas garante maior aderência entre o movimento que você deseja fazer e aquele que o veículo faz; É sobre controle; importa registrar, porém -e aqui o ponto mais relevante - que ainda que você substitua peças suficientes ao ponto de obter a plena adequação entre os movimentos pretendidos e os realizados, a identidade plena, o veículo sempre será o veículo; nunca será você. E você nunca estará a pé no meio da Rodovia Airton Senna (não por muito tempo).

Nota? Consegue perceber o papel do Ego em nossa existência? Você protestará evocando sofrimentos causados pelo Ego, seu e de terceiros, sem reparar que nunca um atropelamento é culpa do carro. A imperícia, seja na condução, seja na manutenção, é sempre tua.

Supondo que esta enfadonha leitura não tenha levado à sua retirada deste espaço, espero que tenhamos chegado a um entendimento sobre o papel do Ego (veículo) e seu poder (nenhum). Dadas estas premissas, me acompanhe (se você rejeitou tudo o que está acima, siga comigo, ao menos como experimento hipotético) ao segundo ponto: o que fazer a respeito?

Reconhecido (ao menos hipoteticamente) que o Ego é veículo, não agente, necessitamos realizar uma profunda e completa revisão de suas partes, buscando localizar as avarias e como ajustá-las.

Uma vez adotada a figura do veículo, pode lhe parecer problemática a insistência no conceito de inflação; não é. Veja, se há uma mecanismo qualquer -aqui um veículo- espera-se que seja isento de defeitos e trabalha-se diligentemente (ao menos deveria ser assim) para evitá-los ou, quando ocorrem, saná-los. A rápida ação sobre avarias assim que surgem tem um motivo: evitar que aumentem a ponto de interromper completamente o funcionamento da máquina; evitar quem inflem.

Considerando que começamos propondo que Inflação difere de crescimento por que é artificial (e danosa, quando ocorre em corpo ou situação que não foi criado para este fim), é possível postular que nenhum crescimento de uma avaria é natural -já que a avaria não deveria estar lá-, portanto, avarias não crescem, elas inflam. Está bem! Eu sei que forcei a barra aqui. Desgastes são efeitos naturais da utilização, assim, eu deveria aceitar que avarias (e seu crescimento) é (são) natural (is). Por outro lado, ainda que você defenda que o desgaste seja natural e inevitável, preciso lembrar-lhe que também falamos sobre sobre o trabalho ativo e diligente para a manutenção da coisa toda, assim, ainda que o desgaste seja natural, abandonar o mecanismo ao efeito crescente deste desgaste é artificial, portanto, uma inflação perfeitamente evitável. Considerando tudo isso e lembrando que veículos não crescem nem inflam (salvo balões e dirigíveis), destacamos que cada vez que uma situação de Ego nos incomoda, levando-nos a apontar um suposto Ego inflado, o que está inflado ali é uma avaria no Ego, não do Ego em si. Note, conforme destaca o Código do Defesa do Consumidor, que avarias/defeitos persistentes podem ser descritos como "vícios" ("Defeito físico ou moral; imperfeição grave de uma pessoa ou coisa.", conforme o Michaelis), assim, seja para seu liquidificador, seu carro, sua motoneta ou seu Ego, qualquer avaria permanente e/ou reincidente, venha ou não de fábrica, corresponde a um vício; todo o Ego inflado é um vício de comportamento; uma compulsão em processo de inflação com consequências indesejadas ou desastrosas para o indivíduo e seus adjacentes.

Em detrimento das prerrogativas do Código de Defesa do Consumidor, quando o vício não se encontra em um televisor, mas em meu próprio Ego, fico encurralado pelo paradoxo de não ter com quem reclamar, pois sou eu mesmo o fabricante da peça.

Ora, reconhecendo-nos não apenas consumidores/usuários deste veículo que denominamos Ego, mas sobretudo seus mantenedores e fabricantes, cabe a nós responsabilidade redobrada sobre o bom funcionamento da coisa toda. Na ausência de um manual, projetos, esquemas estruturais e lojas de peças de reposição, como proceder?

O primeiro passo é repensar com muita maturidade o seu sistema de valores. Se você leu "vício" como "pecado" está em apuros ². O que nos interessa aqui não é te mandar para o céu; é obter/construir um modo de vida feliz, livre e salutar para você sem ônus aos seus pares.

O segundo passo é, à luz dos ajustes feitos no primeiro, a detecção dos vícios; a localização das áreas avariadas.

O terceiro passo (infinitamente mais fácil quando o objeto não sou eu mesmo) é o reconhecimento de que ali há um vício/avaria.

O quarto passo é entender que um defeito numa parte da coisa não condena a coisa toda (o Ego não é meu inimigo).

O quinto passo é repassar os quatro primeiros. Pulá-los (ou nem sequer começar) é tentador.

O sexto passo é estudar a palavra "compulsão". Segundo o Michaelis trata-se de "ato irresistível que impele uma pessoa a realizar algo ou a comportar-se de determinado modo, para sentir-se aliviada de sua angústia ou culpa." (primeiro significado. Há dois. Isso é importante). Quando você -repito, VOCÊ, não uma força imaginária que você chama de "Ego feio malvado que não sou eu porque eu sou legal mas meu Ego não deixa eu ser legal" só para se sentir melhor consigo mesmo e terceirizar a sua responsabilidade- mantêm uma postura e/ou prática mesmo depois de tê-la reconhecido racionalmente como danosa para si e/ou para terceiros, você está em comportamento compulsivo. O editor do verbete escolheu bem as palavras; é coisa irresistível. Por ora não pare. Aqui apenas reflita sobre o conceito de "compulsão".

O sétimo passo é, ainda à luz do entendimento da "compulsão", refletir sobre as angústias, culpas e demais gatilhos que te impelem ao comportamento compulsivo.

O oitavo passo é planejar estratégias para contornar estes gatilhos. Você pode recorrer a acompanhamento profissional (psicólogo, terapeuta, etc.), atividades físicas, ioga (aqui apontava separadamente da atividade física comum, dada sua profundidade espiritual, não raro negligenciada), religião (para algumas pessoas ajuda, mas cuidado), meditação e outras estratégias que suas próprias inclinações e experiência pessoal lhe apontarem, desde que se comprometa sinceramente com o processo.

O nono passo é estudar -DE NOVO- a palavra "compulsão". Segundo o Michaelis, outro significado é "ação do juiz ou do tribunal superior para obrigar a instância inferior a cumprir o seu despacho.". O Ego é seu veículo, não seu motorista, portanto, uma "instância inferior". Quando você compreende a posição do Ego você se reconhece como juiz ou tribunal superior, com poder e direito de obrigá-lo a caminhar por onde você deseja, não o contrário.

O décimo passo é falhar miseravelmente e repetir suas compulsões compulsivamente (repetição não acidental). É! Pois é! Não tinha como dar certo. Não de primeira. Qual a sua idade? 18, 27, 72? Eu tenho 41 anos. É uma vida religiosamente devotada à compulsão. Cada centímetro do seu corpo e psique treinados initerruptamente por anos e anos para repetir e inflar os seus padrões. Não é do dia pra noite, porque tropeçou em um texto aleatório, que vai tudo se resolver. Você se tornou muito eficiente em inflar suas avarias.

O décimo primeiro passo é não usar o décimo para desistir. A vida não acabou porque desta vez você falhou; assim como hoje você teve chance de ser diferente (note que eu não disse "melhor") que ontem, amanhã estará aí para ser diferente de hoje. Recomece a operação.

O décimo segundo passo é abraçar e comemorar cada mínima conquista, como o adolescente que ralou os joelhos ontem, mas conseguiu andar cinco metros com uma única remada hoje (refiro-me à prática de skate). Você já visitou uma pista de skate? Os caras passam 99% do tempo caindo. Ninguém caçoa. Todos reconhecem o esforço mútuo e encorajam-se ³ uns aos outros. Encoraje-se. Cerque-se de amigos que reconheçam e apoiem seus esforços. Evite os que inflam o pior de você. Ensine-me como, quando conseguir.

Encerro aqui os passos. Eu queria que fossem três (tenho compulsão pelo três e seus múltiplos), mas a verdade é que mesmo estes 12 são poucos. Vamos começar por estes, tentando pelo menos estancar a inflação. Isso já terá sido uma imensa conquista. No primeiro sinal de deflação, me avise. Comemoro com você.

Notas:

1. Leia Pureza 

2. Leia Tarefa Difícil 

3. Leia Encorajo 

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!)

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