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quarta-feira, 29 de março de 2023

#Verborragia: Grade

 Por mais natural que seja pensar inicialmente em gaiolas e celas, há de se registrar que a clausura não é a única aplicação de uma grade; usa-se, entre outras coisas, para proteger e/ou delimitar.

Sobre delimitação, podemos pensar nas grades colocadas ao redor de campos e quadras esportivos; embora possam ser, eventualmente, bastante altos, a altura tem muito mais a finalidade de evitar a perda de bolas que a proteção do local. Nestes cenários as grades ajudam a delimitar a área jogável, ao mesmo tempo em que evitam desastres fora daquela área. Na vida subjetiva aplicamos muitas grades desta natureza; cercamos áreas e mais áreas para determinar limites de nossa atuação na vida dos outros ou o alcance deles na nossa. Via de regra é um instrumento positivo e, não raro, criamos complicações para nossas vidas ao não empregá-lo; quem nunca ouviu "você precisa estabelecer limites!" ?

O equilíbrio para aplicação saudável destes limitadores é delicado, sendo muito fácil excedermo-nos, para mais ou para menos. No geral, convém lembrar sempre da quadra: o plano é podermos gozar nossa própria partida sem arrebentar janelas alheias; ao mesmo tempo, convém que nenhum projétil externo invada nosso campo, comprometendo o bom desenvolvimento do nosso próprio jogo. Aqui estamos, parece-me, no domínio da responsabilidade afetiva: eu mesmo construo e instalo os limites para que o meu deleite não comprometa o deleite de outros.

Sobre proteção, por mais que pareça ser igual ao elemento anterior, trata-se de um passo adicional; na figura das quadras pode ser novamente evocada, agora para nos ajudar a lembrar que suas grades são escaláveis, portanto, de modo algum impedimentos concretos e definitivos para qualquer entrada ou saída; não raro apresentam interrupções em seu perímetro, destinados à passagem fácil para dentro fora; espaços nos quais caberiam portas e portões, frequentemente ausentes e, do contrário, desprovidos de tranca; há, é claro, em bairros nobres e condomínios, grandes com portões e cadeados, mas a possibilidade de salto ou escalada permanece sempre latente; as grandes de proteção, quando distintas daquelas da figura da quadra, são as cercas em propriedades, rurais ou não, destinadas a evitar a entrada de estranhos e a evasão de animais de criação; subterfúgios adicionais ao simples cadeado são introduzidos para mitigar a escalada, tais como farpas, eletrificação, cães de guardas, vigias e afins. "Não entre!" é a mensagem definitiva. Em uma estrapolação para a realidade subjetiva e as interações interpessoais, podemos ter nesta natureza de grande toda variedade de comportamentos que visam não mais apenas regular como interagimos com esta ou aquela pessoa (da família, do trabalho, da escola, etc.), mas sobretudo as tentativas de reduzir a zero a interação; são posturas que variam desde a simples timidez até a rispidez, a antipatia e o ostracismo. Estes recursos podem servir de proteção contra indivíduos já conhecidos, cujos comportamentos no passado já nos tenham  prejudicado de qualquer modo, até a tentativa de evitar pessoas completamente desconhecidas, por receio que reproduzam os padrões de dano das conhecidas. São ferramentas salutares, quando aplicadas moderadamente, acompanhadas da análise consciente, criteriosa e crítica sobre as reais motivações de sua aplicação.

O grande entrave se dá, porém, quando o terceiro passo é dado (considerando as duas análises anteriores como os dois primeiros passos). As grades convertidas em cadeia. O receio contra terceiros atinge tamanha medida que torna impossível distinguir grades de delimitação e/ou proteção de grandes de contenção; estamos segurando a pessoa do lado de fora, ou nos aprisionando do lado de dentro? A variedade de motivos históricos (leia aí "a história pessoal daquele indivíduo!") para o autoenclausuramento tende ao infinito, como infinitas sãos as narrativas pessoais, interpretações que podemos dar à alteridade e criatividade alheia de nos ferir. De maneira alguma pretendo inferir que quaisquer motivos de alguém para procurar se proteger sejam indevidos ou exagerados, mas é preciso vigiar para que a tentativa de proteção não se converta em cela. A grade enquanto cela é uma maneira distorcia de proteção, pois ao passo que nos resguarda de dores potencialmente causadas por terceiros, nos relega a toda sorte de dores autoaplicadas das quais a menor (e nem por isso branda) é a solidão. A vida é (deveria ser) oportunidade de deleite; não bastam as intempéries naturais da existência, a saber acidentes, doenças, labuta, etc., vemo-nos obrigados a lidar com intempéries artificiais, perfeitamente evitáveis, completamente desnecessárias, decorrentes da simples imperícia (quando não, perversidade) alheia. O grande problema é quando o receio da repetição de intempéries isoladas convertem-se em fechamento completo às oportunidades gerais de deleite: eis a cela. Nossa espécie é desenvolvida (grafei inicialmente "criada", mas preferi alterar) biologicamente e subjetivamente para a existência social, assim, a remoção da espera social empobrece a experiência do existir de forma catastrófica: o deleite só é pleno quando compartilhado.

Não pretendo, de forma alguma, nos converter em entidades dependentes da alteridade, sendo a dependência ela mesma uma cela. Mas o processo de compartilhar é rico, profundo e salutar. O sorriso dado ao outro é sempre mais precioso do que rir para o espelho. A capacidade de se respeitar, aceitar e acolher são imprescindíveis, ainda assim, nada pode substituir um abraço, um "Boa noite!", um "Respire!". Cerquemo-nos de quantas grades forem necessárias para a apropriada delimitação de nossos próprios jogos pessoais (leia "jogo" como seu processo de existência e deleite; não jogos de poder e manipulação dos outros); de tantas grades quanto julgarmos adequadas para nossa proteção física e emocional; vigiemos diligentemente para nunca nos aprisionar.

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!)

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