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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 10 de março de 2022

#Verborragia: Chaminé

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!).  A palavra de hoje é "Chaminé". Tenho a lembrança de, na infância, ir com meus pais visitar algum parente ou amigo deles. Eu adorava o percurso, pois passava por uma região de fábricas e me fascinava a imagem das imensas chaminés de tijolos vermelhos.

Se o presente texto fosse um conto não seria difícil aproveitar a imagem acima. Este texto não é um conto e não estamos indo visitar ninguém. Visitemo-nos. Todo indivíduo é um complexo ecossistema de interações quase infinitas entre gostos, vontades, desejos, curiosidades, temores, terrores, segredos, etc. Somos uma folha sacudida e arrastada por estes turbilhões enquanto simulamos algum controle supondo-nos "conscientes" (ninguém está. Leia Consciência).

Mesmo a ideia de um "Eu" é equivocada; não há um único "Eu" governando tudo mas sim uma comunidade de personalidades, ora semelhantes, ora conflituosas, disputando a hegemonia (leia Paradoxo do Amigo Imaginário).

Por outro lado, mesmo nem sempre de forma harmônica, este ecossistema e/ou comunidade funciona de forma mais ou menos eficaz para garantir, tanto quanto possível, a sobrevivência biológica, emocional e social de cada indivíduo. Nada impede a substituição da figura do ecossistema pela da fábrica. Nenhuma fábrica é perfeita. Toda fábrica tem falhas, desperdício e dejetos, ainda assim, toda fábrica fabrica, do contrário perece.

"Fabrica" aqui deve ser lido como qualquer  intenção ou ação necessária para as três formas de sobrevivência supracitadas; qualquer ato subjetivo e/ou comportamental que sustente minimamente o organismo e as relações; este não é um texto sobre econômica e meios de produção.

Considerando especificamente a questão dos dejetos, sabemos que podem ser descartados das mais diversas formas, porém, considerando que aqui nos interessa a investigação emocional, nada mais útil que usar a fumaça para ilustrar a sutileza de nossa existência psíquica e, com isso, recorrer à chaminé para tratar do seu descarte. Dadas estas premissas, o que é a chaminé?

Tanto na fábrica literal quanto na fábrica figurativa ora explorada a chaminé é uma via. Ela tem a função de conduzir elementos tóxicos e/ou indesejados derivados das atividades produtivas e que, caso mantidos dentro do ambiente de produção, poderiam causar dado à operação ou aos operários. Noutras palavras, a atividade cria o produto desejado mas também cria, como efeito colateral, elementos gasosos nocivos que precisam ser retirados do ambiente para maior segurança dos participantes da produção. Ora, é assim na fábrica e é assim em nossa experiência subjetiva, mas o que é "a chaminé" nesta segunda perspectiva?

A maioria das pessoas tem (ou procura desenvolver) as tais "válvulas de escape", atividades paralelas às rotineiras por meio das quais acreditam expurgar parte dos sentimentos negativos que acumulam nestas, obtendo (creem) níveis mais salutares de saúde subjetiva. Parece funcionar muito bem para quase todo mundo, sendo recomendação geral do senso comum a busca por tais atividades. "Cara! Você precisa relaxar um pouco. Bora no futebol domingo?".

Não é meu papel protestar contra as chaminés (as válvulas de escape), pois eu mesmo tenho muitas (você visita uma delas neste momento), porém, há de se buscar entender melhor sua natureza para, com isso, otimizar seus resultados e mitigar riscos. 

Que risco uma inocente "válvula de escape" pode ter? Voltemos ao exame da chaminé.

Seja você ou não um militante "por um mundo sustentável", todos sabemos que a eficácia das chaminés é ilusória. Elas solucionam um problema imediato do ambiente de produção deslocando-o para outro ponto, porém, tal ponto -alguns poucos metros acima- permanece dentro do mesmo ambiente geral da fábrica, a saber, a atmosfera.

Supõe-se ter solucionado o problema do ambiente e dos operários, mas ocorre que os operários, suas habitações, locais de lazer, de consumo e a própria fábrica, tudo isto está dentro da atmosfera, portanto, qualquer elemento nocivo supostamente removido do ambiente de permanência dos operários é despejado no ambiente de existência dos operários. Apenas adiamos o desastre. Há as tais fábricas 2.0 e até 3.0 (sei lá em qual X.0 estão hoje) que prometem tratar suas emissões, algumas até reutilizar. Não vem ao caso o aprofundamento, mas até esta imagem é/será útil.

Voltemo-nos ao nosso interior. Quais são as tuas chaminés? Podem ser escrever, desenhar, pintar, cantar, tocar, praticar algum esporte, rir com os amigos, beber (este não é um texto moralista), etc. Todas as chaminés são positivas, naquilo que ajudam a remover de nosso ambiente subjetivo elementos prejudiciais à nossa "comunidade" interior. Ao mesmo tempo precisamos nos lembrar: chaminés não são "sumidouros", são apenas vias para outro ponto; o ambiente no qual iremos despejar nossos produtos interiores é, em si mesmo, uma atmosfera, e precisamos redobrar nossa responsabilidade em relação a ela, pois é ali que nossa vida objetiva (profissional, social, afetiva, etc.) ocorre(m). 

Conforme nos conscientizamos desta responsabilidade (não se iluda. Não é fácil. É o trabalho de uma vida) podemos, lenta e progressivamente, adotar métodos de "reciclagem e reutilização" destes dejetos (fábrica 1.37?) para que os mesmos, enquanto nos ajudam a expurgar as toxicidades internas, também assumam funções positivas na "atmosfera", na comunidade. Ainda que não consigamos os tais efeitos positivos, qualquer "0,075% menos negativo ou nocivo para terceiros" já é um imenso avanço, dado o ambiente altamente prejudicial que nossa sociedade edificou e que nossas inclinações internas alimentam (não se faça de inocente. Não é só "o outro" que machuca as pessoas. Todos nós o fazemos).

Não vou enumerar chaminés prejudiciais nem propor chaminés positivas. Qualquer chaminé, por mais inocente que pareça, pode gerar um efeito negativo se não for planejada e edificada com profundos critérios de responsabilidade; Qualquer chaminé aparentemente prejudicial pode ser repensada e aproveitada para efeitos melhores caso conscientemente avaliada. Claro que há chaminés insustentáveis; muita coisa precisa ser demolida e substituída.

O importante é a auto-observação constante.

Trilha: Lochley Fells (Blue Dot Sessions)

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