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quinta-feira, 8 de setembro de 2022

#Verborragia: Pedreiro

 Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz! ).  A palavra de hoje é #Pedreiro. O que será que poderemos construir a partir daí?

Na minha família há muitos pedreiros, embora eu mesmo nunca tenha seguido ou aprendido o ofício.  A casa na qual resido hoje foi erguida, tijolo a tijolo, suor e (provavelmente algum) sangue por tios meus, décadas atrás. A coisa toda é muito firme, resistente às agressões da natureza, embora, naturalmente, apresente muitas cicatrizes de sua idade. É obra de gente, sobretudo, competente.

Não quero falar sobre competência profissional; procuro sempre, tanto quanto possível, não assumir inclinações de coaching neste espaço, mas precisamos, de qualquer modo, assumir que a vida é uma construção e nesta precisamos desenvolver competência constantemente.

A vida enquanto evento biológico é muito simples. Mantenha o sistema alimentado e seguro que ele se constrói sozinho. A vida subjetiva e social não é tão simples assim. Quando adultos a gente erra o tempo todo; quando jovens somos treinados por adultos que erram o tempo todo. Algo precisa ser revisto em nossa forma de construir nossa identidade e nossas relações. 

A palavra de hoje tem dupla origem, pois até a conclusão do trecho acima eu escrevia sobre "Pedreiro", palavra obtida em um site de palavras aleatórias para atender a verborragia. Daqui em diante inclui-se inspiração compartilhada pela Senhorita Colorine que, ao saber qual era a palavra, me disse:

"Me veio algo à mente: 'Pedreirando sentires'

Certa vez me mandaram uma imagem onde uma pessoa tentava quebrar os muros que a outra ia construindo ao mesmo tempo"

Gosto de neologismos. Assumamos, daqui pra frente, que o ato do pedreiro é "pedreirar" e passemos a discutir como é que pedreiramos os nossos sentimentos.

Ora, pedreirar deve abarcar toda a atividade de analisar o relevo, aplainá-lo, cavar os veios nos quais serão inseridos os alicerces, erguer as paredes e colunas, montar e encher a laje, eventualmente inserir mais andares, montar telhado, sem contar a infinidade de ajustes finais contidos no termo "acabamento". Consegue notar a extensão e complexidade da tarefa?

Hoje em dia a construção de uma edificação é distribuída por um volume muito grande de especialidades, conforme maior aptidão e experiência de cada profissional em cada parte da obra. Ainda assim há casas inteiras pensadas e realizadas sem qualquer divisão desta, apenas uma reunião de pedreiros.

Perceba quanto empenho, técnica e tempo são empregados na composição de algo tão externo e material como um imóvel e me explique porque tanta displicência na construção de nossa existência subjetiva. Você vai falar de custo, necessidade de segurança e durabilidade, no caso do imóvel, e está coberto de razão, mas isto não anula a segunda parte: nossa existência subjetiva, nossa morada interna, não deve receber o mesmo nível de atenção?

Nossa existência subjetiva -individual e social- é, literalmente, o último abrigo, o mais profundo nível de refúgio daquilo que consideramos Eu, para muito além deste "Eu" corpo que procuramos proteger por meio da residência de alvenaria. Fiz questão de incluir "individual E social" porque somos seres sociais e nossa subjetividade só se realiza na interação com outros; não somos pedras perdidas numa alucinação interna cuja existência e desenvolvido ocorre exclusivamente no núcleo; o Eu é subjetivo mas se consolida na expressão externa: somos um eterno "para fora".

Todo o processo de construção e aprimoramento subjetivo encontra validação existencial apenas no momento da expressão: no pensamento isolado existimos "de direito"; no contato objetivo com outros ganhamos existência "de fato".

Um processo tão profundo e delicado não pode ser realizado com a indiferença que costumamos praticar; assim como o pedreiro avalia, mede, ajusta e alinha, também na interrupta construção disso que chamamos "Eu" precisamos estar conscientes e alertar, avaliando, medindo, ajustando e alinhando cada ato, pensamento, palavra e valores.

Do mesmo modo que as adjacências e limites dos terrenos precisam ser considerados no canteiro de obras, os impactos do "Eu" nas demais existências precisa ser sempre observado, ponderado e ajustado; minha construção não pode comprometer a casa do meu vizinho. Responsabilidade deve imperar nas casas e nas relações.

Aqui é importante lembrar que nossa figura é a do pedreiro, não do artista plástico. Como estou pensando em relações objetivas, não em abstrações (os contos eu publico às sextas) , precisamos nos apegar à compreensão de que o pedreiro lida com com concreto; não lhe cabe as divagações transcendentais, do contrário, o prédio desmorona. No domínio dos sentires isso equivale a dizer que devemos, tanto quanto possível, construir nossas ideias subjetivas (sobretudo aquelas que se referem a outras pessoas) com máxima fundamentação nos dados concretos recebidos da exterioridade; noutras palavras, nossas opiniões sobre o mundo e sobre os outros não podem ser construções fantasiosas com base em nossas ilusões ou desejos, mas sim naquilo de cada pessoa e situação que a própria pessoa ou situação nos entregou. Não é fácil: a fantasia é tentadora; criar lindas (e quase sempre equivocadas) histórias em nossas mentes é tentador e viciante. Você moraria numa casa na qual um pedreiro disponha os tijolos com a mesma bagunça, liberdade (nesse caso liberdade não é legal, parceiro) e fantasia com a qual você constrói suas projeções sobre o mundo? Sejamos sensatos.

Finalmente, passemos a considerar o acabamento. Se o nível de atenção com o qual observei e ajustei meus valores e opiniões internos é comparável ao grosso da edificação, o acabamento consistente no momento do encontro, o diálogo, o respeito, a cortesia, o acolhimento e a responsabilidade. Nada mais frustrante que gastar uma pequena fortuna na construção de uma casa e, só no fim, localizar erros (sejam evidentes, sejam sútis) na disposição de algum piso ou no livre mover de uma porta, daí derivam frustrações, aborrecimentos e prejuízos, sem falar em risco de acidentes. Convém escolher peritos e, preferencial, visitar e analisar seus trabalhos anteriores, para não tomar nenhum susto. Na casa é assim; na sua existência subjetiva e na sua interação com outros não; você não pode terceirizar responsabilidades que são suas; você precisa ser ou se tornar o período no mesmo instante em que está "instalando o acabamento"; você vai errar; não se iluda; o perito de hoje era aprendiz tempos atrás; o segredo é atenção, responsabilidade e empenho.

Boa sorte!

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