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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

#Verborragia: Trailer

 Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!).  A palavra de hoje é #Trailer . Estou curioso sobre onde pode nos levar este episódio.

O cinema (e depois até os programas de televisão, seja a aberta, seja o streaming) introduziu na nossa cultura o conceito de trailer, uma expansão da ideia de sinopse traduzindo em imagens (recortadas do próprio título que se deseja apresentar) o conceito principal daquela história (com objetivo de divulgação). O mundo dos trailers constituiu uma expressão artística à parte e quem me conhece já me ouviu dizer que deveria ter um Oscar para melhor trailer do ano. Há trailers tão bem feitos que ultrapassam o filme em qualidade, tornando defensável que o editor do trailer fosse o editor da obra em si. Antes de entrar no tema dessa reflexão um último comentário sobre trailers: gosto tanto que penso ser um ônus chegar à sala de cinema depois que já passaram.

Como este espaço não é destinado à análise da sétima arte (quer ver algo feito com competência ímpar? Visite Portal Pepper), voltemo-nos ao que é possível extrair do conceito. A literatura com suas sinopses e o cinema com seus trailers nos acostumou a ter experiências prévias, introdutórias, da obra que se pretende visitar (até mesmo para apoiar na decisão de realizar a visita); há enganos, admito, mas não são a regra; Na vida diária a coisa não é tão simples: não há trailers para nossa vida futura; nossas decisões precisam ser tomadas no escuro. Não derivaram do trailer, mas facilmente identificáveis com ele, produzimos em nossa vida aquele emaranhado de ideias denominadas "expectativas".

Como quase todas as características das quais nos queixando quando analisadas em perspectiva subjetiva, na origem a capacidade de projetar é um recurso de sobrevivência. Na origem a distância entre a percepção e a reação é nula; o ente biológico primitivo só tem o instante do toque (estamos no império do tato) para decidir se come ou se foge; um segundo de atraso nessa decisão (ou em caso de decisão incorreta) é devorado.

Conforme os sistemas nervosos foram se complicando a distância entre ação e reação foi aumentando assim como a complicação dos centros de percepção foi afastando o estímulo (adiando o risco). Adquiridas versões rudimentares de olfato, audição e/ou visão um elemento qualquer podia ser notado antes do toque. Ampliada também a complicação do sistema nervoso um atraso na reação também ampliada o volume de reações possíveis. Ainda que não existisse o idioma para expressar "acho que é comida" ou "deu merda!" , algum nível de ponderação ocorre e uma decisão é tomada. Evocar-se-á o conceito de instinto e ter-se-á feito um bom palpite, desde que com isso não se pretenda interpretar o instinto como um programa e reduzir os animais não humanos a autômatos. Nesse processo não linguístico (logo, não racional? isso dá conteúdo para outro longo debate) há elaboração de hipóteses, projeções, acertos e erros. É um processo natural; uma ferramenta evolutiva.

Se assim for é muito frágil a tentativa atual de retirar da atividade humana o ato de projetar. Se há projeção nas "consciências" não linguísticas, imagine (na verdade você não precisa imaginar; você faz) a profusão de projeções que os recursos visuais e textuais (imagéticos e linguísticos) possibilitam.

Por mais que eu goste de "O Teatro Mágico" não lhes posso respeitar a máxima "Não crie expectativa" (ouça Um Filme). É, parece-me, contraproducente (quiçá antinatural) pretender-se isento de projeções; o que nos cabe -e é a isso que se destina esta reflexão- é compreender todo o processo de projeção, reconhecer (reincidentemente, pois somos mestres em esquecer) que é uma operação subjetiva, absolutamente pessoal, sobre a qual o outro não tem responsabilidade ou culpa. Bem. Aqui caímos numa bifurcação.

Numa operação controlada em laboratório (que estou inventando agora na minha cabeça) podemos postular um sujeito A produzindo suas expectativas sobre um sujeito B inerte. Neste cenário nada poderá/deverá ser cobrado de B e qualquer decepção por parte de A derivada dele mesmo. Neste cenário hipotético aplica-se a ponderação feita há pouco e é preciso orientar A sobre as características e limites da projeção e sobre como conduzi-la em trilhos maduros e salutares.

Ele/você pode projetar, como ferramenta de preparação de ações e reações possíveis. Isso é natural da vida. Ele/você não pode, em hipótese alguma, exigir que os cenários e ações de B se desenrolem conforme suas projeções e planos.

B, seja situação, seja pessoa, é um elemento livre e externo, o qual não se deve pretender controlar.

Saiamos agora do laboratório; B está vivo e atuando no mundo, conforme sua própria agenda; seu conjunto pessoal de interesses; neste cenário as expectativas de A são construídas mediante a coleta de dados sobre B e -como não é possível apreender a totalidade de B- preenche-se as lacunas com as projeções. Ainda aqui, por ora, B seja um indivíduo (ou situação) ativo (a), 

mantem-se ele mesmo, para efeito desta etapa das simulações, transparente e honesto; se/quando ocorrem conflitos entre as projeções de A e os eventos concretos envolvendo B ainda aqui podemos manter a orientação do laboratório; todas as responsabilidades são de A.

Este é "um lado" da bifurcação que mencionei; o "outro lado" ocorre quando admitimos que B pode não ser transparente e/ou honesto, distorcendo os dados a seu respeito e, com isso, manipulando as projeções de A. Ora! Seria extremamente leviano de minha parte insistir que toda a responsabilidade, quando verificados os conflitos, são de A. Para este ponto não temos o poder de criar um mundo mágico no qual todos os B's sejam honestos e transparentes. Nesse ponto precisamos, ainda sem interromper nossa própria projeção, reforçar nossos processos de observação, compreensão e ajuste de expectativas, mitigando as manipulações.

Mais importante que tudo isso, porém, é, munidos de todos os elementos apresentados até aqui, tornemo-nos capazes de perceber que não somos exclusivamente o inocente e indefeso A; somos, o tempo todo, o B de ilimitadas interações e precisamos, com urgência, reconhecermo-nos responsáveis pela qualidade de cada uma delas, fazendo ativamente tender a zero, por ação e exemplo, os conflitos entre expectativas e fatos. No limite, tornar impossível (utópico; eu sei; mas é na busca das coisas impossíveis que produzimos possíveis melhores) o conflito, pois A não se engana mais; B não engana, absolutamente.

Eu gostaria de assistir este filme.

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