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quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Janelas (ou "Onde nasce a #Poesia")

A janela é, sem dúvida, um elemento importante dos imóveis, indispensável para se ter/obter alguma qualidade de vida, pois pior que uma vista ruim é vista alguma.

Ela dá ciência do mundo exterior, mas não dá acesso a ele (do contrário seria uma porta); "pode-se pular a janela", você protestaria; concordo (e exploraremos isto adiante), mas não é para isso que foram criadas. Sobre a "ciência do mundo exterior" temos sempre à mão a analogia com os olhos (o corpo como o imóvel), e os dados que estes dão sobre o mundo, embora não o toquem. Mais uma vez você vai protestar, dizendo que eu distorci o conceito, sendo os olhos uma janela PARA a alma (movimento centrípeto) e não DA alma (movimento centrífugo). Há muito em um olhar, concordo, mas é como se fosse um iceberg: há infinitamente mais abaixo dele (e não é por ele o acesso). Falar de olhos como janela para a alma distorce, por si só, a ideia geral de janela, tirando-a de sua posição de nos permitir ver ao redor e convertendo-a na oportunidade dos vizinhos de espiar nossa privacidade (feche as cortinas. Risos).

Acredito que o processo de ver, seja pela janela real, seja pelo olhar, e quanto isso nos revela sobre o mundo e nos revela ao mundo, seja uma coisa demasiadamente pessoal para eu pretender discorrer aqui; não me cabe falar como e quanto deves observar, nem como e quanto deves revelar sobre si; viva seus processos de amadurecimento (movimento centrípeto) e construção de confiança (movimento centrífugo) como lhe aprouver. Sorria enquanto o faz.

Na minha casa há uma sacada; para o acesso à sacada há uma porta com uma janela ao lado; há grades na janela (nem todas as janelas são "puláveis"); essa configuração era uma frustração para minha mãe; mostrava-me a planta, na qual havia uma imensa porta balcão em estilo colonial; eu não sabia o que era "porta balcão", apenas me impressionava com a imagem e dizia para todo mundo que minha sacada deveria ter uma "janela que ia até o chão". Janelas são feitas para dar ciência, não para dar acesso, do contrário, vale sempre repetir, seriam portas. Isso não é, em absoluto, um problema ou uma deficiência; trata-se de uma característica; "dar ciência" é algo positivo e necessário; obter/procurar ciência é imprescindível; não me refiro ao conhecimento científico (não que o descarte; mas nossas pretensões aqui não são acadêmicas), mas à toda informação que se possa capturar do mundo objetivo, tanto por necessidade biológica (a sobrevivência em si) quanto as questões sociais e afetivas (Leia Imprescindível ). Considerando esta premissa, janelas amplas e desobstruídas fornecerão acesso a mais informações que as menores ou cerradas (retiro o "feche as cortinas" dito há pouco). "Janelas abertas", em nossa investigação subjetiva, não diz respeito ao simples ato de abrir os olhos, mas sim de obter/construir/manter uma postura atenta ao mundo que nos cerca. Infinitas histórias acontecem ao nosso redor o tempo todo, todas infinitamente ricas em significados e conhecimento, mas passamos muito tempo distraídos; perdemos quase todo o espetáculo. É como ter uma casa na praia no oceano pacífico e nunca ter assistido ao Sol se pondo no mar.

O mundo é belo; a existência é feita de infinita beleza, mas estamos sempre distraídos demais com toda sorte de trivialidades. Para além das informações para sobrevivência biológica ou manutenção social, há ainda a beleza do simples deleite, da arte, da contemplação, e estas nós perdemos com maior eficiência. Sementes de poesia levadas pelo vento para bem longe de nossos corações estéreis.

Abramos as janelas.

"Você esqueceu de falar de pular a janela!". É simples. Há o conhecimento teórico, obtido observando o mundo, e o conhecimento prático, obtido atuando nele. A ação prática seria a porta e a observação teórica (também a contemplação) as janelas; na experiência subjetiva não é possível um meio termo; qualquer tentativa de ação é automaticamente porta; não se pulam janelas; não quero, com isso, criar uma escala de valores entre conhecimento prático e teórico, tampouco entre portas e janelas, mas deixar evidente suas diferenças de natureza, meio de construção e resultados. Há conhecimentos sempre práticos; há conhecimentos exclusivamente teóricos na origem e passíveis de prova (prática) apenas com o tempo (e evolução dos métodos científicos; a construção de novas portas) e há conhecimentos eternamente teóricos (e, nem por isso, menos válidos ou importantes). A arte reside neste terceiro ramo, não por ser teórica (um sujeito batendo a cabeça em um show de rock jamais aceitaria chamar aquilo de teoria), mas por ser intangível. Eu sei: você pode tocar o quadro, folhear o livro, afinar o violão, mas nunca poderá observar o Nasi (Ira) desenvolvendo pétalas amarelas no lugar do cabelo enquanto volta o olhar para uma mulher realizando fusão nuclear de átomos de hidrogênio em seu núcleo. Há ideias, estados de espírito e emoções que só a arte é capaz de transmitir e não são menos reais, subjetivamente, por não possuir equivalente objetivo. Considerando a natureza espiritual de nossa existência (leia "psicológica", caso o termo "espiritual" lhe pareça demasiadamente metafísico) não é improvável que estes elementos tenham maior relevância e importância até que certas verdades objetivas no mundo tangível.

Dadas todas estas premissas é preciso aceitar que o olhar, esta magnífica janela, nos dá acesso a coisas mágicas, místicas, sobrenaturais, sobretudo belas, e aí reside a possibilidade de dar à luz toda sorte de beleza complementar; na voz, no texto, no traço, no som, convertemo-nos inteiros na segunda janela, centrífuga, não mais destinada às espiadelas de vizinhos e transeuntes, mas balcão para devolver ao mundo a infinita beleza que nasce da alma: poesia em todas as suas formas.

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