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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

OS SINAIS (de Luciana Busquets)

Pode até parecer mentira, mas a história que se segue é baseada 100% em fatos reais. Hoje vou falar sobre três amigas muito fofas, feriados intermináveis no mês de novembro, um calor das profundezas, um rolê muito louco, sinais do universo, navegador do mal (que não posso citar o nome, mas todo mundo deWe saber qual é), e uma motorista de aplicativo que, desesperada para juntar uma grana rápido, acaba aceitando todas as corridas, fazendo com que ela entre em algumas enrascadas.
Foi em novembro de 2023, mês tão esperado pela quantidade de feriados que nele habita. Pessoas se programando para viajar ou fazer passeios diferentes pela cidade de São Paulo, entre elas, três amigas que aqui vou chamar de Vã, Má e Lau - Ops, para tudo, toda história que se prese precisa de um título. Fiquei pensando qual seria o melhor para esta história? As três amigas, um passeio de última hora e uma motorista de aplicativo que entra em todo e qualquer buraco (literalmente) ... não, grande demais para um título, talvez: Um passeio macabro na Serra da Cantareira... bom nome, mas ainda não ...  Fui, deu pra mim (aquele momento em que você pensa em abandonar tudo e sair correndo) mas não é este o contexto de fato, então optei pelo seguinte nome: OS SINAIS.
Bom, agora que já temos um título voltemos para nossa história ...onde eu havia parado? Ahhh... as três amigas, Vã, Má e Lau, que trocavam incessantes mensagens para decidir o que fariam no final de semana. Foram tantas as opções que agora só consigo me lembrar de duas delas... viagem para praia ou cachoeira no sítio Borrocada na Serra da Cantareira. Destino decidido bora comunicar os pais. As mães fizeram muitas recomendações de segurança para o passeio na trilha com cachoeira, afinal mãe não serve só para jogar pragas.
Acordei num dia de primaVERÃO,7:00 horas da manhã e um “calorzinho” de 28°C, achando que aquele seria só mais um dia comum de trabalho de motorista de aplicativo. Caminhões e ônibus que tem pontos cegos por todos os lados, donos de carros maiores do que o meu e por isso tem a preferência, ruas repletas de motoboys que tem suas próprias regras e a seu favor... buzinas, fechadas, muitos carros com setas que não funcionam, mais buzinas, pedestres zumbis, isso para comentar só o básico. Pé na estrada que São Paulo é grande e a temperatura já subiu.
Eis que chega o dia tão esperado. As meninas acordaram cedo, preparam suas mochilas com os lanches mais saborosos e muita água, pois esses dias os termómetros estavam batendo recordes de calor e a previsão do tempo dizia que teríamos tempestades com ventos de mais de 100km. Elas se encontraram no local marcado na zona Sul de São Paulo e pegaram um ônibus a caminho de desventuras em séries. Chegando próximo à região do Tremembé o ônibus começou a falhar, problemas com ar condicionado entre outros se me lembro bem. O motorista parava, desligava o ônibus, ligava, andava alguns metros e parava novamente. As meninas ansiosas pelo passeio e, de certo que teriam que descer do ônibus por parada geral, anteciparam a movimentação e decidiram descer do ônibus a fim de chamar um motorista pelo aplicativo.
Enquanto isso, perto daquele local...
Dez da manhã 33°C, já comentei que estava calor? Aplicativo tocando: embarque Tremembé destino Serra da Cantareira, bora? Eu: bora! Naquele momento nossos destinos foram cruzados e elas que estavam ansiosas por uma aventura mal sabiam o que as esperava. Chegando no local de embarque me deparo com 3 jovens pra lá de animadas e cheias de planos. Após 15 minutos de corrida o aplicativo de navegação, cujo nome não se pode pronunciar, anuncia: atenção, perigo à frente. As passageiras ficaram um tanto apreensivas, mas como isso já faz parte da minha rotina segui tranquilamente. Alguns metros à frente eu avisto um carro da CET que havia acabado de liberar a passagem. O fato é que tinha vazado óleo na pista, mas o problema foi resolvido com um pouco de serragem, areia ou sei lá o que porque não prestei muita atenção. Seguimos viagem.
Poucos quarteirões depois em uma pista ainda íngreme, afinal estávamos subindo a serra, havia logo a minha frente um caminhão parado e algumas pessoas ao redor olhando para cima. Parei o carro e o caminhão começou a andar, arrastando com ele toda a fiação do local, fazendo com que esses fios caíssem em cima do caminhão e no capô do meu carro. Em segundos me veio à mente um curso de segurança na direção que falava sobre o que fazer se fios de alta tenção caíssem sobre o carro durante uma chuva, bateu um desespero, mas eu tinha que demonstrar calma, afinal eu estava com 3 adolescentes no carro que precisavam de alguém que transmitisse calma e confiança, como se eu soubesse o que estava fazendo, só eu sei que não, e agora vocês também. Lembrei que, em caso de chuva os vidros do carro estariam fechados e que a porta não deveria ser aberta para que a eletricidade não entrasse no carro e atingisse os passageiros, mas gente, eu estava com as janelas abertas e tudo isso passou pela minha cabeça em segundos antes que os fios pudessem atingir meu carro.
Não vou colocar aqui nenhuma onomatopeia dos fios atingindo o carro porque não saberia reproduzir, então deixo isso por conta dos leitores, só sei que foi tudo muito rápido. Olho para trás para saber se as passageiras estão todas bem. Sim, estavam todas bem assustadas, com vontade de voltar pra casa, mas resolvi acalma-las e aguardar uns instantes antes de tomar qualquer decisão, afinal não queria me sentir responsável por estragar o passeio das meninas por ter seguido “aquele” GPS.
Eis que o motorista do caminhão, que trabalha sabe-se Deus de quê, desce do carro com um alicate na mão e nenhum equipamento de proteção, pega os fios como se tivesse cortando cabelos e “tec”. Na hora eu pensei, vamos presenciar uma morte horrível, mas o universo poupou o motorista do caminhão e a gente desse desprazer. Cortou de um lado, deu a volta no caminhão, cortou do outro lado, jogou os fios no chão como se nada fossem e seguiu seu destino, os moradores da região que se virem pra chamar a companhia responsável pelos fios.
Nós ficamos lá com um certo receio de passar sobre os fios, mas pensei, se ele pegou com as mãos e não morreu não somos nós passando de carro que vamos... E também deixei os carros da esquerda passarem na minha frente só pra garantir né rs. Passamos em segurança e ainda faltavam cerca de 19 minutos para chegarmos ao nosso destino segundo o GPS do mal, que um pouco mais adiante indica que devo entrar à direita em uma estrada de terra, mais pedras do que terra, devo dizer. As meninas falaram: moça, deixa pra lá, não precisa não. Mas como sou brasileira e não desisto nunca eu disse - tudo bem, dá pra entrar. Segundo o mapa aquele parecia ser o único caminho e a rua era bem larga, então tudo bem. A nossa direita, pouco depois da entrada, tinha um portão com algumas casas que podíamos avistar ao longe, uma espécie de chácara sei lá. Seguimos....
Passou por nós, no sentido contrário, um homem de bicicleta que andava no meio da pista e olhou para nós com um certo espanto... até então eu não entendi o porquê. Na estrada havia uma bifurcação, aplicativo indicou a direita, a estrada foi ficando cada vez mais estreita, havia espaço apenas para um carro e em alguns momentos nem pra um. Meio dia, vidros fechados por causa dos vários galhos que estavam entrando pela janela, um calor das profundezas, talvez a temperatura estivesse em 38⁰, mas a sensação térmica era de 60⁰, corpo molhado de suor as meninas preocupadas como eu faria pra voltar sozinha por aquele caminho e eu seguindo na força da fé.
Alguns trechos curtos com um pouco de lama que eu tive coragem de passar, porém cheguei em um ponto em que a lama era muita, pensei que se eu fosse ficaria parada ali patinando com o carro até o natal. Neste momento fui vencida pela situação e com tristeza no coração falei para as meninas que não conseguiria seguir adiante. Num misto de sentimentos de tristeza e alegria elas concordaram rapidamente, afinal estávamos rindo de nervoso já há um bom tempo.
Decidido isto, procurei um espaço onde a pista parecia ser mais larga pra fazer o contorno, porém me esqueci de um detalhe crucial para essa manobra, o que acabou piorando muito mais a nossa situação. Ré dada e eis que enfiei a roda do carro num buraco imenso que eu tinha desviado na ida, mas que de ré não era possível ver. Pronto, agora o carro estava atravessado no meio da pista de um lugar no meio do nada onde provavelmente não passa carro há anos.
Em muitas tentativas frustradas de sair dessa situação acelerando o carro pra frente, pra trás e para todos os lados possíveis só me vi patinando sem sair milímetros do local. O para-choque cada vez mais solto do carro e perto do chão, então decidi que seria melhor descermos e, mesmo já sabendo que o carro era extremamente pesado ainda assim não perdi a esperança e imaginei que em 4 pessoas conseguiríamos empurrar o carro pra trás e sair do buraco. Doce ilusão.
Tentei falar com a empresa que aluguei o carro mesmo tendo certeza que um guincho jamais conseguiria chegar no local, sem contar que é óbvio, não tinha sinal de internet na região. Só nos restou tirar as coisas do carro, e voltar o caminho a pé para pedir socorro. Peguei a coisa mais importante pra mim naquele momento, minha marmita é claro rs. Carro fechado seguimos a pé no caminho de volta à civilização. 
De longe avistamos um carro andando próximo aquela região com casas que parecia uma chácara que mencionei anteriormente. Chegamos até o carro e perguntei para o casal se eles eram da região e se tinham uma corda para nos ajudar a tirar o carro da estrada. Eles disseram que não, estavam ali procurando um cachorro que haviam perdido. Enquanto conversávamos, um pouco mais à frente à minha direita havia um homem com uma enxada que parecia estar trabalhando, talvez ele fosse um morador local e poderia nos ajudar. O casal no carro também teve essa mesma impressão e nos sugeriu conversar com ele. Sabe quando você assiste a um filme de terror e fala parar o ator não vai por aí... nossa que burro... só em filme mesmo? Não gente, não é só em filme, a gente consegue ser irracional na vida real também. Na hora do desespero toda tentativa é válida.
Saí à frente das meninas em direção ao tal rapaz que devia ter cerca de 26 anos, usava apenas uma bermuda, corpo suado (nossa que calor minha gente), com algumas tatuagens que não consegui reparar muito bem o que eram pois estavam espalhadas naquele corpo atlético que também não reparei. Branquinho de olhos claros e cabelos castanhos, um rosto de capa de revista que você até para pra pensar, como um cara assim trabalha na roça? Cumprimentei o bonitão digo, o homem trabalhador sem camisa, digo... cumprimentei o cara: boa tarde, tudo bem? Você mora por aqui? No momento em que as 3 amigas se aproximaram do local decidi olhar para o chão pra saber em que aquele homem estava trabalhando. Ali, naquela vala observamos que algo estava sendo enterrado dentro de um saco preto. Respiramos fundo e, imagino eu que tivemos o mesmo pensamento: se correr o bicho pega. Fingimos demência e eu segui conversando com o moço que já não era tão bonito assim. - Meu carro ficou preso em um buraco na estrada, preciso de ajuda. (Enquanto eu contava isso pra ele só me vinha à cabeça que essa era a pior coisa que eu deveria ter dito, pronto, agora ele vai com a gente até o carro e mata todo mundo, meu Deus, o que eu fui falar?) Aguardei a resposta: Eu moro à 4km daqui moça, mas ali na frente tem uma bicicletaria, talvez eles possam ajudar. Imagino que o pensamento geral foi: obrigada Senhor, ele não nos atacou e a sensação de alívio foi igualmente compartilhada pelas mulheres dessa história. Com um olho no peixe e outro no gato seguimos a estrada até a tal bicicletaria. 
Já era quase uma hora da tarde quando chegamos lá, falei para as meninas chamarem outro motorista e seguirem para cachoeira.  Elas, que naquela altura do campeonato não podiam ignorar os sinais do universo já tinham desistido do passeio e responderam: nós vamos ficar com você até o final, chegamos juntas e vamos sair juntas. Poucas vezes em minha vida me senti tão acolhida como neste momento.
A loja super moderna, com equipamentos sensacionais pra quem faz trilha, algumas poucas pessoas no recinto e novamente contei o ocorrido. Infelizmente eles não podiam nos ajudar, mas orientaram que ficássemos ali na calçada esperando passar um jipe para pedir ajuda, disseram que eles estão acostumados a fazer trilha na região e sempre andam com cordas. Enquanto aguardávamos sentadas na mureta em frente à bicicletaria, as meninas, que muito educadamente me ofereceram um lanche comeram enquanto eu tentava falar com a locadora do carro para pedir um guincho, mesmo sem acreditar que seria possível entrar um guincho naquela trilha. Contato somente via WhatsApp, URA eletrônica, opções 1;3;5; e nada de vir a opção guincho... Novamente 1;4;2 ...me foi solicitado pela ura umas 6 fotos do automóvel que eu não tinha como enviar uma vez que não estava no local, enviei 6 vezes a mesma e única foto que havia tirado... enfim meu contato foi direcionado para o atendimento humano, mas que não mudou muita coisa com respostas padrão do tipo copia e cola. A pessoa solicitou novamente as 6 fotos e orientaram que eu fizesse um boletim de ocorrência e o prazo de 48horas para a solução do problema com todos os custos por minha conta. Foi nesse momento que uma das meninas me chamou a atenção para um jipe que estava parado em uma rua lateral e que aparentemente iria subir em nossa direção.  Encerrei a conversa com a locadora e falei para elas – quando ele vier eu vou me jogar na frente dele. Começamos a pular na calçada abanando os braços em sinal de ajuda enquanto ele subia lindamente em nossa direção. Sinal compreendido ele parou o jipe no estacionamento ao lado da loja, fui até a janela e perguntei se estava ocupado e se poderia nos ajudar, mostrei a foto do carro e sim, ali estava o nosso salvador de nome Alexandre, o grande.
Pulamos para dentro do jipe para chegar até o local do carro atolado e durante o caminho fomos contando nossas aventuras, inclusive sobre o trabalhador braçal que já estava voltando pela estrada com a enxada no ombro. Alexandre, Alex para os amigos, seguiu trilha a dentro com uma cara de quem nitidamente pensava: O que elas vieram fazer aqui? Até que resolveu perguntar em voz alta rs. Chegamos no carro e ele andava ao redor para avaliar o estrago, mas dessa vez com cara de: PUTA QUE O PARIU. Foi até o jipe, as meninas desceram e ele pegou uma corda pra amarrar em um lugar seguro próximo à roda da frente do lado esquerdo do carro, a intenção era arrastar o carro de forma lateral para que ele saísse do buraco e ficasse virado para o lado correto de saída da trilha. Corda amarrada, ele no jipe e eu no carro, primeira tentativa acelera de lá, eu segurando o volante com firmeza e a corda soltou. Alex desce do carro e dá alguns nós a mais. Segunda tentativa, acelera e a corda estoura. Terceira tentativa a corda estoura novamente, então ele pegou outra corda mais firme no jipe, amarrou as duas cordas e só então, na quarta tentativa ainda com dificuldade, mas muita experiência por parte do jipeiro, ele tira o meu carro do buraco ao som de gritos de alegria das meninas na trilha. Cordas soltas, passageiras a bordo e Alex seguiu de ré na trilha enquanto eu acompanhava de frente. Em um determinado momento ele subiu um barranco e o jipe começou a ficar tão de lado que começamos a gritar dentro do carro achando que ele iria tombar, mas o universo ajudou quem nos ajudou também. Voltamos para o estacionamento da bicicletaria e ele perguntou se queríamos que ele nos guiasse até a entrada principal do parque da cachoeira. A resposta que elas deram em uníssono foi não. Nos despedimos do nosso salvador que aceitou apenas uma garrafa de água como agradecimento pelo enorme favor prestado.
As jovens me pediram pra deixá-las no metrô mais próximo, mas como eu poderia fazer isso com elas? Senti que eu deveria levá-las em segurança até suas casas, afinal “chegamos juntas e vamos sair juntas”. No caminho fomos revivendo cada detalhe da nossa corrida maluca, elas falaram sobre jogos de RPG e que o cara da enxada seria um jogar NPC da história (adoro pessoas inteligentes). Pedi que uma delas colocasse uma playlist pra gente ouvir, ela escolheu churrasco animado na laje, mas que não parecia tão animado assim pois voltamos cantando uns pagodes antigos que era só “sofrência”.
Deixei as meninas sãs e salvas na porta de casa, nos despedimos e elas me recomendaram: Nunca mais entre em estradas de terra no meio do mato (com certeza). Eu também fiz algumas recomendações: Tenham cuidado, prestem atenção aos sinais do universo, quando não for pra ser não adianta insistir (a lição foi pra mim também, mais claro impossível). 
Acredito que algumas vezes nos vemos em circunstâncias ruins, mas que elas aparecem em nosso caminho para nos salvar de algo que poderia ser muito pior, então não reclame, apenas agradeça pelos livramentos que você desconhece. Busque o aprendizado sempre, em todas as situações, nada é por acaso, nem mesmo as pessoas que passam rapidamente pelas nossas vidas, por isso agradeço ter passado por essa situação com 3 passageiras tão especiais que mantiveram a calma e o bom humor a cada instante. Namastê.

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