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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

#Verborragia: Sonhos

Ah, meu amigo. OBVIAMENTE eu vou subverter a expectativa do "sugeridor" desta palavra. Como eu poderia falar sobre os sonhos para a vida? Coisa chata. Todo mundo sonha; todo mundo fala sobre esforço para realizar sonhos. O "sugeridor" (que não vai se ofender pelo presente registro, pois é uma AI) disse "Vamos com a palavra 'Sonhos'. Essa palavra pode ser um ponto de partida fascinante para discutir aspirações, ambições e como os sonhos moldam nossas vidas.". VOU POR OUTRA VIA!!!

Vou falar de um filme. Preciso explicar: Este que vos fala, PSEUDOfilósofo por definição, o é em função da "terrível" experiência realizada pelo governo do Estado de São Paulo de restaurar o estudo de #Filosofia no ensino público lá em meados de 1995/6. Um jovem quase sem noção ficou espantado quando um professor diferente¹ invadiu a sala com ensinamentos completamente distintos daqueles tão repetitivos, em forma e conteúdo, que vinha tendo, ano a ano, até então. O sujeito descrevia homens que olhavam ao redor e discutiam sobre o mundo e nunca mais o mundo foi o mesmo.

Esse mesmo professor, certa feita, decidiu usar a televisão da escola para apresentar um filme (eu quase escrevi "Cara. Eu nem sabia que tinha TV na escola. Ele foi o primeiro a utilizar.", mas seria injustiça. Em seguida recordei que a professora de matemática nos mostrou aquele filme do Pato Donald conhecendo Pitágoras e a professora de educação artística mostrou um filme sobre Camille Claudel. Alguém também me fez assistir "Em nome da Rosa", ou seja, "destruíram minha vida [leia-se, tornaram-me {pseudo}filósofo]²).

Nesta bagunça toda (e o indireto encaminhamento do Marcelo para o amor a Sofia), o professor de filosofia fez-nos assistir "Sonhos", de Akira Kurosawa, lançado em 1990. O filme é dividido em oito partes, oito sonhos. Algo aí (e em todo o resto do conteúdo da matéria, naquele ano), me provocou. Resgatemos os sentimentos (ATENÇÃO: Contém spoilers):

"Um raio de sol através da chuva: - Um garoto desafia a ordem de ficar em casa em um dia chuvoso. Ele testemunha um casamento lento de kitsune na floresta, sendo descoberto por uma raposa. A mulher o informa que as raposas estão zangadas, indicando que ele deve cometer suicídio. Ele parte para cumprir essa missão.". "Kitsune" significa "raposa", algo que eu me lembro que o filme explicava, ainda que eu não soubesse (e não saiba) japonês. O que eu não sabia (e acabo de descobrir via "google"), é que "Raposas são um assunto comum no folclore japonês; e são descritas como seres inteligentes e com capacidades mágicas que aumentam com a sua idade e sabedoria. Entre estes poderes mágicos, tem a habilidade de assumir a forma humana". No filme, não me lembro por qual estratégia, todas as raposas são dançarinos humanos, ainda assim, sabemos (eu sabia) que são (eram) raposas. A "espiadela" do menino ao ritual secreto é um tipo de pecado, como se o rito entra as raposas fosse algo puro demais para olhos humanos, por isso mesmo, feito em dias de chuva, quando os humanos se resguardam em suas casas. Eu lembro da dança, lenta mas não cansativa, bela, sobretudo, e lembro que o menino, como eu, parecia sentir a mesma admiração (eu mesmo era, ainda, menino). Lembro do chinelo esquisito do menino, tradicional dos japoneses, e dele andando na lama. O acesso à toda aquela beleza tem um preço: O menino está condenado à morte. O filme não mostra o ato, mas o menino parte rumo à sentença. Eu sempre temi a morte, e temia ainda mais naquela época, mas lembro de sentir alguma paz no ato do garoto. É como se toda a beleza e magia testemunhadas tornassem o preço a pagar irrelevante. Valiam mais que uma vida inteira, e longevidade, sem testemunhar beleza e "algo mais" (metafísica? magia?).

"O jardim das pessegueiros - Durante o Festival de Bonecas, um garoto se entristece com a ausência de pessegueiros em seu jardim cortado. Seguindo uma menina, ele encontra bonecas vivas que o repreendem. No entanto, ao perceberem seu amor pelas flores, concordam em permitir que ele tenha um último olhar através de uma dança.". Os pessegueiros em flor, toda sua magnífica beleza e o voo das pétalas ao vento (isso eu roubei de Nárnia. Outro filme. Depois discutimos isso) são representados por um balé realizado na encosta de um morro, com níveis separando algum tipo de hierarquia real. Neste morro havia, originalmente, fileiras de pessegueiros plantados que foram cortados, provavelmente uma representação do progresso que substitui o cultivo, a relação com a terra, por alguma outra produção que o filme não explora (apenas a necessidade de espaço). O menino chora com sinceridade, sofrendo a ausência das árvores, de sua beleza e sua "dança". Os espíritos do bosque, das árvores, percebem a sinceridade das lágrimas do menino e, com isso, mesmo com o bosque todo cortado, decidem apresentar a ele uma última dança dos pessegueiros. Esse  sonho, que não re-assisti para este texto, parece me tocar mais agora que no passado. De algum modo (por influência ou vaticínio? Nunca saberemos), tornei-me o menino que chora por cada árvore cortada. Cada casa demolida que vejo pelos bairros onde passo me doem o coração, pois vejo a demolição das gerações que sonharam as casas, que ali moraram, riram, choraram, amaram, tudo reduzido a nada. Um morro vazio, porque alguém quer o espaço, nada mais. Sou muito apegado às histórias anônimas que não conheci.

"A tempestade - Alpinistas se perdem durante uma nevasca enquanto tentam chegar a um acampamento. Uma misteriosa mulher (possivelmente Yuki-onna) tenta atraí-los para a morte, mas um homem resiste. Quando ela desiste, a tempestade cessa, e o grupo alcança o acampamento.". Esse é outro sonho que me marcou demais. Eu conseguia sentir o cansaço e a esperança se esvaindo, conforme que membro dos homens na fila, sucumbia. Um único sujeito insistia, inspirava, admoestava. Todos caíram. Não eram possível a ele arrastar todo o grupo, ainda assim, ele não desistiu. Foi em razão de sua insistência que os demais começaram a acordar e o acampamento (a "solução"?), que era invisível (pela nevasca), mas que estava a poucos metros de todos, se revela. Isso me tocou, tanto sobre a persistência, quanto sobre a necessidade de amparar os demais, independente de qualquer adversidade. Nunca esqueci este sonho.

"O túnel - Um oficial do exército entra em um túnel escuro ao anoitecer. Um cachorro raivoso surge, seguido pelos fantasmas dos soldados que ele comandou na guerra. Convencendo-os a retornar ao túnel, ele confronta seu profundo sentimento de culpa.". Esse é, talvez, o sonho mais confuso. A primeira coisa da qual recordo é que o latido o cachorro tem som de disparos de espingarda (ou rifle. Não entendo muito de armas). Lembro que o oficial fica tentando convencer os fantasmas a retornar ao túnel, pois morreram e não tem consciência disso. Eu teria que reassistir para identificar se o oficial está vivo ou morto (ele mesmo sem consciência de sua situação, como os demais), mas recordo da culpa do oficial (talvez todos tenham morrido por alguma imperícia dele em suas ordens). Repensando, acredito que o oficial esteja vivo, assim, o cachorro que late quando ele tenta entrar no túnel (do qual os mortos tentam sair) representaria a impossibilidade dele entrar naquele reino (dos mortos). É um sonho emblemático.

"Corvos - Um estudante de artes encontra-se no mundo de Van Gogh durante uma visita a um museu. Procurando o artista, ele atravessa diversas pinturas, incluindo "Campo de trigo com corvos", interagindo com Van Gogh representado nas obras.". Esse é, sem dúvida, o sonho mais bonito e poético. O sujeito literalmente entra nos quadros, encontrando-se com Van Gogh dentro deles e compreendendo os sentimentos e motivações do pintor a partir do interior da obra. Retrata a experiência estética profunda que um observador pode ter em frente á obra, caso se permite extrapolar o simples "olhar para os traços". O ente que produziu o conteúdo vive dentro do seu produto. Eu não conhecia nenhuma das palavras que empreguei aqui, mas lembro, com vivacidade, que foi isso que eu senti.

"Monte Fuji em chamas - Uma usina nuclear perto do Monte Fuji derrete, causando pânico. Três adultos e duas crianças são deixados para trás, confrontando a inevitabilidade da morte. Um deles admite responsabilidade e se lança de um penhasco.". Acho que cheguei cansado nesta parta da/o aula/sonho. Acho que foi o trecho que menos me impressionou (ou menos compreendi). Para fechar esta lacuna, por outro lado, tenho registrado um sonho que tive em 7 de junho de 2020. Registrei assim: "Essa noite sonhei que morri. Algo explodiu no horizonte. Não era comum. Pessoas corriam em busca de abrigo. Eu sabia que não havia onde se esconder. Meu filho dormia no sofá. Pensei o quão cruel seria acordá-lo. Fiquei vendo-o dormir, repetindo que o amava, até o fogo final chegar.". Era uma explosão nuclear que avistei no horizonte, da sacada de casa. Eu olhava meu filho e pensava no sofrimento que eu lhe causaria, ainda que por segundos, se o acordasse. A morte era (como sempre é), inevitável, assim, fiz o que me cabia. Amei.

"O demônio que chora - Em um mundo pós-apocalíptico, um homem encontra um ser mutante (oni) que explica os horrores resultantes de holocaustos nucleares. Demônios choram pela dor causada por seus chifres desenvolvidos.". Na época o sentimento foi de responsabilidade. Os demônios são humanos deformados por toda a destruição provocada por eles mesmos, então, são responsáveis por seu sofrimento irreversível. Essa figura pode ser explorada tanto no sentido de nossas responsabilidades nas questões ambientais quanto em nossas responsabilidades sociais e subjetivas, pois somos os criadores de nossos infernos em todas as dimensões de nossa existência.

"O vilarejo dos moinhos - Um jovem visita um vilarejo que abandonou a tecnologia moderna em favor de uma vida mais simples. Um ancião sábio explica a escolha espiritual sobre a conveniência. O filme termina com uma celebração feliz durante um funeral, simbolizando a aceitação da morte como parte da vida.". Outro sonho que devo ter assistido cansado, tendo poucas recordações. Lembro da beleza do cenário fluvial que cercava o vilarejo e que as pessoas no cortejo estavam felizes, não de luto. Recordo da serenidade de ponta a ponta do sonho, assim, novamente, não sei se influenciado ou vaticinado pela narrativa, vivo hoje em busca da mesma serenidade, da simplicidade onde vivo, onde vou, no que me agrada observar.

É isso. Este texto deve ter pouco a te dizer. Foi, muito mais, um passeio agradável pelas minhas memórias e sentimentos e sou grato por isso.


Notas:

1. Leia Filosofia de Vida  e Estranho  

2. Saindo do cinema, cabe menção honrosa à professora de literatura que me fez ler "As relações perigosas", de Choderlos de Laclos. Nem era tema de aula ou prova. Ela só achou que eu iria gostar e me emprestou o livro. Fiquei fascinado.

3. Os comentários sobre os sonhos são baseados em minhas lembranças sobre os sentimentos que me inspiraram aos 14/15 anos, porém, é óbvio que não me seria possível lembrar cada sonho, conteúdo e ordem, assim, cada descrição de sonho, apresentada em itálico e entre aspas, foi recuperada mediante consulta à IA (ChatGPT).


Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz! )

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