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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Os Nagas!

      Os Nagas; entendo que representam, na mitologia hindu, semi-deuses. São entes superiores ao homem, em inteligência, força e sabedoria, mas não plenamente divinos, posto que ainda são capazes de possuir/apresentar inclinações, comportamentos e valores não tão nobres quanto aqueles que você atribuiria aos deuses, portanto, um "quê" de humanos. São costumeiramente representados como imensas serpentes, ou como tendo corpos humanos com cabeças de serpente e, vez ou outra, totalmente indistinguíveis de um humano. Imagino que os Dragões (ou deuses-dragões) budistas (geralmente representados com forma humanoide e cabeça de réptil) sejam adaptações dos Nagas.

      Shiva me fez refletir sobre os Nagas enquanto eu realizava minhas preces matinais. Meus olhos costumam transitar por duas figuras que tenho em meu oratório: uma representação da trimurti e uma de Vishnu. A figura de Vishnu geralmente é acompanhada por uma imagem de serpente (não sei bem se uma serpente de sete cabeças ou sete serpentes) que lhe protege a cabeça. Em pesquisa rápida achei textos indicado que esta serpente é Shesha, uma espécie de rei ancestral dos nagas, além de textos dizendo que representa Balarama, irmão e protetor de Krishna (sendo Krishna um avatar de Vishnu. Balarama também. Talvez outro dia eu explique.). Shiva me reteve o olhar nestas serpentes sobre Vishnu.

      Ainda não li o Mahabharata inteiro (um dos grandes textos que servem de base ao hinduísmo), mas no pouco que li a presença e atividade nos nagas é constante, sendo um excelente meio de compreender sua natureza. Nossa forma de ver o mundo (extremamente marcada pela visão judaico-cristão que separa tudo em "bem contra o mal") imediatamente classificaria estas entidades como demoníacas (agora me pergunto se a serpente no Éden seria um naga. Retorno nisto em seguida).

      Ocorre que os nagas não são demônios, são os nagas, em toda a riqueza e complexidade que todas as formas de existência podem possuir. Não raramente são apresentados como mestres e instrutores de algum herói dentro do texto, transmitindo profunda sabedoria e fibra moral. Noutras ocasiões realizam atividades que nos pareceriam torpes, uma vez que prejudicam alguém em benefício próprio. Neste ponto eu te pergunto: Você tomou leite nesta manhã? Comeu carne alguma vez neste mês? Se as vacas tivessem mitologia você seria retratado como um deus benigno ou como um demônio? (não sou vegano. Estou apenas provocando.)

      Transitando o olhar pelas sete cabeças de serpente que recobrem e protegem Vishnu eu não consigo ver qualquer periculosidade, mas tão somente serenidade. Elas não estão ali como ameaça ao Deus (como poderíamos imaginar em nossa visão ocidental da constante cruzada demoníaca contra o céu) tampouco contra o observador. Parecem proteger a serenidade divida (e isso por si só tem profundo significado. Os Nagas protegendo Deus sendo que Deus não precisa de proteção) ao mesmo tempo que observam (satisfeitos?) a busca sincera daquele que ora (eu diante da figura). Talvez ensinem algo. Sabedoria? Fibra moral?

      Certas escolas budistas (sobretudo aquelas focadas no Sutra de Lótus) narram que após a filha do rei-dragão (você lembra do paralelo entre dragões e nagas que tracei logo acima?) ter atingido a iluminação (algo, até então, vedado para mulheres e para dragões) o rei-dragão jurou que todos os dragões (nagas?) protegeriam os praticantes budistas.

      Aproveitando o budismo, você sabia que a parábola bíblica do "Filho Pródigo" está dentro do sutra de Lótus budista? No sutra ela é muito maior e mais complexa. Faz pensar que aquela é a versão original e a que vemos no evangelho é um resumo. O que "deu para lembrar" na hora de recontar a história. É preciso reconhecer que a separação religiosa que enxergamos e produzimos hoje é ilusória. A sabedoria circulava com maior fluidez no passado remoto, além da grande probabilidade de mitologias aparentemente conflitantes derivarem de raízes comuns. Considerando tudo isto (contatos entre as religiões; troca de conhecimento; nagas em mais de uma mitologia; nagas não são plenamente bons nem plenamente maus [a vida é mais complexa que esta dualidade infantil]) releia o Gênesis bíblico:

      Havia um jardim. No centro do jardim uma árvore. Na árvore frutos. Sobre os frutos, uma proibição. Por favor, não seja tolo. A esta altura você já deve saber que a fruta não era uma maça, tampouco sexo. Tratava-se de conhecimento. Então eu repito meu convite: Releia o gênesis. Por que a divindade proibiu ao homem o acesso ao conhecimento? Se a cultura cristã nos convida a não julgar nem mesmo os homens, certamente eu não vou julgar Deus. Ele deve ter tido seus motivos. Pode ter sido, sim, vaidade e egoísmo. Deuses tem momentos de vaidade e egoísmo em todas as mitologias, porque justo o deus judaico-cristão não poderia ter? Mas sejamos menos rigorosos. Quando eu era cristão eu tinha uma interpretação para isto e a compartilho com você: O fruto do conhecimento não era (não seria) vedado ao homem para sempre. Deus o havia reservado para o homem, mas aguardava o momento oportuno (talvez não estivéssemos preparados naquele momento. Suspeito que não estamos nem hoje). Melhorou? Pronto. Deus absolvido. Meus interlocutores em paz.

      Mas e a serpente? Lembre-se: A ideia aqui é reler o gênesis usando como "chaves" interpretativas as premissas anteriores. E se a serpente bíblica não for o demônio? E se for um naga, impaciente por nos assistir obtendo conhecimento. Impaciente por nos transmitir, conforme sua própria natureza, Sabedoria e Fibra Moral. Muda tudo, não? Noutras culturas este lindo ímpeto da Naga em antecipar nossa emancipação, em detrimento da vaidade divida, seria louvada. Pesquise Prometeu.

      E a mulher? AH! A MULHER! Por favor note como esta nova leitura repele o machismo da narrativa original. AH! A MULHER! Na Bíblia é a sua "inferioridade" que a faz ser mais facilmente corrompida pela "maligna" serpente e, em seguida, agente direto da queda do magnífico homem. Não. Não mais. AQUI, em nossa nova leitura a mulher -AH! A MULHER- é a primeira discípula do primeiro mestre Naga. E é ela quem primeiramente abraça a Sabedoria e a Fibra Moral e em seguida, por amor, a compartilha com o (lento) homem, o discípulo atrasado. Qualquer semelhança com a mecânica "Anima > Animus" NÃO é mera coincidência.

      Fomos expulsos do paraíso? Ou fomos presenteados com o mundo? E se o Éden for um "cercadinho" que representasse nossa ignorância infantil e a "expulsão" for o rompimento das fronteiras em função da sabedoria obtida? Deus abençoe as Serpentes!

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