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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Infância (ou "Mente de Criança")

      E eis aqui mais um texto com tema solicitado por meu filho. Nesta virada (ano novo) ele estava brincando de esconde-esconde com o filho de uma amiga. Ao ser encontrado correu para o "pix" (não sei como se escreve. Trata-se do lugar no qual a criança que se escondia se salva do "procurador"). Numa bifurcação o perseguidor tomou outra direção e o interceptou à frente. Ele me disse que em sua mente isso tudo ocorreu em câmera lenta, como em um filme.

      No mesmo pedido evocou minhas memórias sobre minha casa atual, a mesma em que cresci. Sempre comento como tudo parece menor. Curiosa escolha, pois a segunda imagem é justamente a que eu usaria para explicar a primeira. Para mim a mente adulta é uma espécie de argamassa enrijecida pelo tempo. Você já assistiu "Noé" (2014)? Procure a imagem dos anjos caídos. Seres anteriormente de pura luz agora são criaturas defeituosas, com o interior ainda de lava viva, pulsante, fluída, mas presa em crosta sólida, móvel apenas pela existência de rachaduras residuais em certas partes. Esta é a mente adulta. O tempo, a vida, as demandas da sobrevivência, as decepções, os desafetos, etc., tudo isso cria uma espessa casca que progressivamente nos limita, ao mesmo tempo em que nos identificamos cada vez mais com ela (esquecendo do interior).

      Quanto mais jovens menos este processo nos afetou (geralmente). Menos casca, maior fluidez. No limite, pura luz ou, no mínimo, livre lava. Essa mente ainda não solidificou, assim, não estabeleceu claramente os limites entre experiência concreta e liberdade imaginativa. Neste cenário é realizado um processo livre de "preencher lacunas" operado pela imaginação frente aos "dados imediatos da consciência" (escolha de palavras não acidental). A mente infantil sabe claramente o que é ou não concreto, ainda assim, está inteiramente livre no processo criativo, despida dos preconceitos adultos que rotulariam (rotularão) o ato como infantil e inútil e o expurgariam. Encerrado o momento lúdico volta tranquila e ilesa (quase sempre) ao mundo concreto.

      A experiência da fantasia infantil não é uma mentira. Note que não é um fato, mas a verdade não é (não precisa ser) factual. Quando você lê um livro de ficção os sentimentos que ele evoca não são menos reais pelo fato dos eventos narrados não serem históricos. As tristezas, amores, decepções e demais emoções do leitor não são mentiras. Os sentimentos, as experiências, eventuais aprendizados, é tudo verdadeiro. As proporções mágicas (e/ou cinematográficas) dadas pela criança ao momento da brincadeira são igualmente verdadeiras. O encanto de certos momentos ficará na memória para sempre, assim como os trechos marcantes de um livro ou filme, participando da composição daquela personalidade.

      A esta altura você já deve ter notado a relação disso tudo com o tamanho da casa. Ora, tenho memórias de demorar um tempão para cruzar meu antigo quarto, o qual hoje eu atravesso com três passos. É geometria simples. Meu corpo cresceu; o ambiente não. A questão é que a mudança não é apenas espacial, é subjetiva também. Algo mudou nas medidas da minha alma, da minha capacidade de olhar para o mundo, de preenche-lo e inflá-lo com a magia de minha mente de criança, assim, empobrecido, o mundo ficou muito menor. Não é mais verdadeiro por isso, assim como não era falso antes. Que o olhar de nossos filhos nos ajude a recuperar a magia em nosso próprio ponto de vista.

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