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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

#Verborragia: Fogo (1/3)

A palavra de hoje, #Fogo, pode ser explorada por tantas perspectivas que um único texto seria desperdício: poderíamos discutir em termos emocionais e comportamentais, em questões físico-químicas e, finalmente, em circunstâncias metafísicas (para "aquecer", leia Fogo! )

Pressupondo que você apareça por aqui preponderantemente por assuntos epistemológicos e/ou políticos (Dia Ruim! ), alerto que vou começar pelo que menos lhe agradaria (espero que não interrompa a leitura por isso): A Metafísica.

Mesmo focando neste aspecto há infinitos desdobramentos; o fogo é referência (se não central) importantíssima em quase todas as mitologias e, consequentemente, portador de infinitos significados.

Para começar por veredas que lhe sejam mais familiares, notemos que na trindade cristã a pessoa divina responsável pelas mudanças internas, transformações, renovações, obtenção de conhecimento e sabedoria é o Espírito Santo, frequentemente apresentado como um Fogo abrasador. O Fogo do Espírito Santo não fere o crente,  mas queima/consome suas máculas, removendo as impurezas como se faz com metal na forja, esclarecendo seu coração e tornando reto seu caminhar; também é um fogo que emite luz, iluminando o caminho, viabilizando o contorno dos obstáculos e fornecendo compreensão de todas as coisas. A maioria dos grandes ensinos cristãos são declarados produzidos "sob inspiração do Espírito Santo"; O Fogo, ao que parece, transforma, purifica e ilumina.

Na mitologia hindu a importância do Fogo é tamanha que além de existir como elemento também existe como personalidade (o Espírito Santo é uma das três personalidades do Deus judaico-cristão, não?) , sendo ele o Deus Agni, "A Boca dos Deuses". A escolha do termo "boca" é, por si só, repleta de significado, pois Agni é boca por ser ele, por meio do elemento fogo, quem consome/devora as oferendas feitas aos deuses , mas também é boca por ser oráculo, sendo Ele quem transmite aos homens as mensagens divinas. Como oráculo ele esclarece/ilumina, como devorador ele purifica as oferendas e aqueles que as oferecem, como elemento ele promove a constante transformação e renovação das coisas no mundo;  O Fogo, ao que parece, transforma, purifica e ilumina.

Ainda no hinduísmo temos a presença de Shiva, um dos três que compõe a Trimurti (a trindade hinduísta), responsável (e mal interpretado) pela destruição do mundo; na mitologia hindu o Universo não é único, mas sim "mais um" numa sucessão infinita de criações e destruições; na Trimurti temos Brahma, o criador de cada Universo, Vishnu (ou Krishna) o mantenedor de cada Universo enquanto aquele Universo deve/precisa existir e Shiva, o destruidor; Shiva não é uma figura maligna tentando destruir a criação divina; pelo contrário, ele é a parte divina que renova todas as coisas, dando fim ao velho para que o novo possa surgir; assim como o fogo Ele consome, destrói, mas não para lançar a existência ao nada; é para coloca-la em movimento. Ainda que Vishnu seja responsável pela manutenção do Universo, Shiva não se mantém retirado, aguardando o momento da destruição; Ele se faz presente e atuante em empenho constante pela renovação e emancipação da vida (em geral mas principalmente a humana); não à toa um de seus nomes é Adiyogi, o primeiro iogue, pois foi ele quem criou os conhecimentos e práticas de ioga e os transmitiu ao homem como veículo de desenvolvimento e iluminação. Shiva atua no mundo como Fogo e, ao que parece, transforma, purifica e ilumina.

Mesmo na Filosofia ocidental temos o bom e velho Heráclito que equipara como elemento primordial o Logos (verbo, razão, etc.) e o Fogo (em seus movimentos de subida e descida, criação e destruição, transformação, purificação) , etc. No estudo dos filósofos ocidentais pré-socráticos observamos as primeiras tentativas de sair de uma visão teogônica de criação do mundo para uma análise mais racional (rudimentar, é claro) de seus fundamentos. Neste processo ocorreram progressivas tentativas de apresentar uma substância primordial (e isso é a raiz do materialismo); o mais próximo de uma ciência das substâncias que se tinha na época era o conceito dos quatro elementos, herdada do misticismo mas perfeitamente aplicável nas tentativas germinais de ciência da época, uma vez que os elementos da tabela periódica ainda eram inacessíveis ao observador empírico. Foi neste cenário que Heráclito destacou o Fogo dentre os demais como origem primordial, sendo os outros elementos condensações deste e a complexidade geral da existência a mistura em quantidades diversas dos quatro. O Fogo seria o mais sutil e a Terra o seu oposto; o mais denso.

Há infinitas outras religiões ou visões de mundo (filosofias) que incluem o fogo em suas explicações em posições mais ou menos centrais; não disponho de conhecimento, tempo ou espaço para explora-las todas aqui.

Como Heráclito nos levou aos quatro elementos (o hinduísmo nos daria um quinto; discutamos isso no futuro), vamos encerrar falando do Fogo neste contexto mais, digamos, "alquímico" (leia Fiat Água , texto para o qual o presente pode ser considerado a quarta parte de cinco, embora as outras três estejam pendentes).

Pensando nos elementos como nos aparecem (terra são os minerais, água como os líquidos, ar como os gases e fogo como a chama e demais formas de reação química) não me parece tolice nem infantilidade inferir que esse conceito é perfeitamente aceitável e defensável, sem conflito com os elementos atualmente conhecidos (da tabela periódica) ou com a Infinidade de interações que a física e a química estudam atualmente. São, obviamente, simplificações e não dariam conta de um oceano de casos que a vida contemporânea necessita (sobretudo na indústria), mas para diálogos conceituais são perfeitamente aceitáveis.

Há, porém, um segundo nível, mais subjetivo, ou melhor, meta-metafísico, por meio do qual os elementos (quatro para você, cinco para mim) são descrições de formas, de níveis existenciais, de dimensões, se você preferir. Neste cenário, tal qual dito em texto passado, Terra não é um elemento neste nosso mundo, mas a descrição da densidade deste universo inteiro; Terra é a materialidade em geral; tudo que estiver ao seu redor, independente do estado físico, é Terra. Existências mais sutis, inacessíveis aos sentidos deste corpo (talvez detectáveis por alguns místicos) seriam a Água, o Ar, o Fogo e Akasha, conforme avançam em sutilidade e pureza.

Abandonando a análise progressiva (que seria mais didática, eu sei) dos elementos em escala e saltando diretamente da Terra ao Fogo preciso inferir que este é/seria um nível de existência (ou dimensão) extremamente sutil e profundo, algo que transcende a espiritualidade como normalmente a concebemos; o nível existencial dos Deuses (não a toa é onde habita o Fogo do Espírito Santo, Agni, Shiva, Sol [como divindade, não como astro] e todos os outros que você conseguir pensar); não confunda com o "Céu" judaico-cristão ou com o Nirvana budista, pois ainda que sejam níveis/dimensões incalculavelmente sutis e puros, ainda são domínios humanos, com suas inclinações e agendas, não importa o quão elevadas e nobres possam ter ficado. Os deuses, ali, os visitam normalmente, mas não habitam aquele lugar; os deuses habitam o nível do Fogo e é a este lugar que as mentes que já atingiram o Eden de nossos sonhos estão buscando neste momento. Ora, se mesmo a morada dos homens elevados já é indescritível para uma mente limitada como a minha, imagine o quão distante está o mundo do Fogo de qualquer esforço meu para apresenta-lo aqui. A minha mente intui (em termos bergsonianos, não místicos. Na hora da cerveja eu explico [Ou leia Paradoxo do Amigo Imaginário) esta existência no nível do Fogo em termos inefáveis e mesmo esta intuição está infinitamente aquém da coisa em si, imagine quando se procura traduzir o inefável no idioma comum. 

Ainda que cientes a priori do fracasso inevitável, empreendamos a tentativa mesmo assim; Façamos este texto à nossa imagem e semelhança; Fiat Fogo!

Quando você aproxima a chama de uma vela de outra você observa uma única chama; é impossível distingui-las; as chamas, porém, compreendem sua origem (o pavio individual; o seu fim (um novo nível de existência; a fumaça posterior ao fim da parafina); e aquele "meio tempo" no qual são uma e duas ao mesmo tempo ("quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus ao mesmo tempo é três"), compartilhando individualidade e unicidade de maneira tão natural que sequer pensam a respeito.

Imagine centenas de velas reunidas no contexto acima; você só enxergaria uma imensa chama, quase um incêndio, seus olhos incapazes de discernir ali qualquer evidência de multiplicidade; para todos os efeitos há apenas um único imenso fogo. É justamente neste contexto que a ideia de "Monoteísmo Polimórfico" hinduísta me fascina tanto, ao mesmo tempo que o Monoteísmo comum doutras doutrinas me decepciona.

Imagine a chama individual de uma frágil vela proclamando aos sete ventos que ela sozinha é aquele incêndio inteiro. Não à toa Nietzsche disse que o Monoteísmo se efetivou (ou seja, realmente passou a existir um Deus Único) porque todos os outros deuses morreram de rir diante daquele que se declarou único. Sarcasmo à parte, a unidade divina só é defensável em função das limitações de nossa retina, incapaz de distinguir a soma das chamas ou, removida a figura, nossa incapacidade intelectual e espiritual de sondar os níveis existenciais posteriores ao nível Terra. Com olhos e mente de Terra reduzimos as divindades a termos compreensíveis ao nosso padrão existencial e nos colocamos em infrutíferas discussões de "É um", "São Vários" e "Deus não existe". Observadores residentes em Água talvez ainda tomem partido; habitantes de Ar e Fogo se divertem com a infantilidade de nossas bravatas; Akasha aguarda pacientemente.

No Monoteísmo Polimórfico indica-se que um único Deus (o incêndio) possui Infinitas formas, modos de agir e personalidades (as velas), relacionado-se com cada época, povo e indivíduo conforme a respectiva capacidade e visão. Não à toa no Bhagavad Gita (Leia Um Deus Esclarecido) Krishna (ou Vishnu) declara (em detrimento de outras representações de divindade, geralmente egoístas e ciumentas) que recebe todos os devotos e se apresenta a cada um deles na forma de suas crenças. Traduzindo (para o que eu penso; nenhum teólogo ratificará), Deus se apresentará a cada  de nós na forma que cada um for capaz de compreende-Lo.

Mas e o Fogo? Eis o ponto: a parafina solida e o barbante (Terra), a parafina derretida (Água) e o oxigênio (Ar) são manifestações ilusórias do Fogo, chamas potenciais que só realizam sua existência transcendental quando se desfazem no processo de combustão (leia O Pêndulo)

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz! ) 

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